terça-feira, 22 de julho de 2025

TRAVELLING WITH A SI FU (師父)?

Quando iniciei a prática do Sistema Ving Tsun, ainda não existiam programas robustos e amadurecidos como os que temos atualmente no Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, com destaque especial para o Programa Ving Tsun Experience. Acredito firmemente que, se eu tivesse começado hoje nesse programa, aos 15 anos de idade, com o mesmo nível de imaturidade que possuía na época, sob a tutela do Grão-Mestre Leo Imamura ou do Mestre Sênior Felipe Soares, provavelmente levaria pelo menos sete anos dentro deste Programa antes de pensar em poder fazer parte de uma Família Kung Fu.

Digo isso porque, pelas minhas lembranças entre 1999 e 2004, minha compreensão sobre o que significava ser membro de uma Família Kung Fu era praticamente nula. Foi apenas em 2005 que comecei a me interessar por aspectos que iam além da minha própria prática. Assim, com otimismo, talvez eu pedisse para ingressar em uma Família Kung Fu apenas após sete anos.

Naquela época, meu Si Fu (師父) e a equipe de tutores fizeram o melhor que puderam comigo durante aqueles primeiros anos. Do meu ponto de vista, jamais terei a real noção do trabalho que dei. Contudo, um evento marcante desse período foi o falecimento do Patriarca Moy Yat. Lembro que meu Si Fu chegou ao Mo Gun (武館) naquele dia e reuniu todos os presentes, no meio da tarde, em uma saleta nos fundos do então "Núcleo Jacarepaguá" – antes de ela se tornar uma espécie de sala de gestão. Havia uma cadeira disposta para ele em um dos cantos, e nós nos sentamos no chão.

Muito do que ele compartilhou naquela ocasião permanece vívido em minha memória. A riqueza de detalhes e os aspectos culturais envolvidos nas passagens que ele descreveu talvez tenham marcado a primeira vez em que me interessei por algo que não fosse apenas a prática em si.

Ao longo dos anos, até precisamente 2016, fazia questão de ouvir cada relato de viagem. Dessa forma, por quase duas décadas, minha compreensão sobre as viagens aos Estados Unidos ou à China vinha exclusivamente pelos relatos do meu Si Fu.

Nos últimos três anos, pude ressignificar muito sobre estas mesmas viagens, durante momentos de Vida Kung Fu com meu Si Gung (師公). Porém, de maneira inesperada, foi apenas por meio do irmão Kung Fu mais novo do meu Si Fu, o Mestre Sênior Paulo Camiz, que fui levado a repensar profundamente essas experiências de viagem – inclusive aquelas das quais não participei.

When I began practising the Ving Tsun System, there were not yet any robust and mature programmes like those we have today within the Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, with special emphasis on the Ving Tsun Experience Programme.

I firmly believe that, had I started in this programme today, at the age of 15 and with the same level of immaturity I had at the time, under the tutelage of Grandmaster Leo Imamura or Senior Master Felipe Soares, I would likely have remained within the programme for at least seven years before even considering the possibility of joining a Kung Fu Family.

I say this because, from what I recall between 1999 and 2004, my understanding of what it meant to be a member of a Kung Fu Family was virtually non-existent. It was only in 2005 that I began to take an interest in aspects beyond my own personal practice. Thus, with some optimism, I imagine I might have asked to join a Kung Fu Family only after seven years.

At that time, my Si Fu (師父) and the team of tutors did the best they could with me during those early years. From my perspective, I will never fully grasp how much of a challenge I may have been. Nevertheless, one particularly significant event during that period was the passing of Patriarch Moy Yat.

I remember that my Si Fu arrived at the Mo Gun (武館) that day and gathered everyone present in a small room at the back of what was then the “Jacarepagua branch” – before it was transformed into a kind of administrative room. A chair had been placed for him in one corner, and we all sat on the floor.

Much of what he shared on that occasion remains vivid in my memory to this day. The richness of detail and the cultural depth in the stories he recounted perhaps marked the first time I became interested in something beyond mere physical practice.

Over the years, until precisely 2016, I made a point of listening to every account of travel. For nearly two decades, my understanding of the trips to the United States or China came solely through my Si Fu’s stories.

In the last three years, I have been able to reinterpret much of what those trips meant during moments of Kung Fu Life with my Si Gung (師公). However, in an unexpected turn, it was only through my Si Fu’s younger Kung Fu brother, Senior Master Paulo Camiz, that I was truly led to reflect more deeply on these travel experiences – even those I had not personally taken part in.


No site oficial do Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, consta a seguinte afirmação:
"...Desde seu aniversário de 60 anos, o Grão-Mestre Leo Imamura tem convidado os principais líderes do Clã Moy Yat Sang a integrar um grupo dedicado à salvaguarda do Sistema Ving Tsun, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Patriarca Moy Yat..."

Por outro lado, um ano atrás, soube que um praticante teria indagado:
"Por que o Si Gung estaria tão preocupado em salvaguardar o Sistema Ving Tsun?"
Essa indagação teria surgido em um contexto que dava a entender que a ideia de salvaguarda estaria ligada à proteção contra algo ou alguém — como se houvesse uma ameaça externa.

Entretanto, de acordo com a definição da UNESCO para salvaguarda no contexto do patrimônio cultural imaterial, trata-se de um conjunto de medidas destinadas a assegurar a viabilidade desse patrimônio. Essas medidas incluem: identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão e revitalização do patrimônio em seus diversos aspectos.

Dessa forma, trabalhos como o do Mestre Sênior Fabio Gomes se inserem diretamente no aspecto da Salvaguarda através da "promoção". Ao apresentar o Sistema Ving Tsun — sob a orientação do Grão-Mestre Leo Imamura — para setores como o da aviação, por exemplo, ele está promovendo o Sistema a novos círculos da sociedade.

É nesse sentido que o encontro com o Mestre Sênior Paulo Camiz e o Grão-Mestre Leo Imamura teve como proposta compartilhar com os envolvidos na última viagem internacional como foi essa experiência, a partir de perguntas e reflexões.

Não se tratava, necessariamente, de contar histórias, mas de promover a salvaguarda por meio do aspecto da "valorização" — ampliando a compreensão sobre o significado dessas viagens e sobre como essa prática evoluiu ao longo das décadas.

Ouvir o relato do Mestre Sênior Camiz foi uma oportunidade de compreender de forma mais profunda o parágrafo de abertura do site do Safeguard Group, assim como acontece quando testemunhamos os esforços do Mestre Sênior Fabio Gomes. Ambos são exemplos concretos de ações que colaboram com a salvaguarda do Sistema Ving Tsun, cada um em sua vertente.

On the official website of the Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, the following statement appears:

Since his 60th birthday, Grandmaster Leo Imamura has been inviting the main leaders of the Moy Yat Sang Clan to join a group dedicated to the safeguarding of the Ving Tsun System, following the guidelines established by Patriarch Moy Yat.

On the other hand, about a year ago, I heard that a practitioner had raised the question:
Why would Si Gung be so concerned with safeguarding the Ving Tsun System?
This question was posed in a context that suggested the idea of safeguarding referred to protection from something or someone — as though there were an external threat.

However, according to the UNESCO definition of safeguarding in the context of intangible cultural heritage, it refers to a set of measures aimed at ensuring the viability of such heritage. These measures include: identification, documentation, research, preservation, protection, promotion, enhancement (valorisation), transmission and revitalisation of the heritage in its various aspects.

In this sense, initiatives such as those carried out by Senior Master Fabio Gomes are directly related to the aspect of promotion within the safeguarding framework. By presenting the Ving Tsun System — under the guidance of Grandmaster Leo Imamura — to sectors such as aviation, for instance, he is promoting the System to new segments of society.

It was in this spirit that the meeting with Senior Master Paulo Camiz and Grandmaster Leo Imamura was held — with the aim of sharing, through questions and reflections, how their most recent international journey had unfolded.

The objective was not merely to recount stories, but to contribute to the safeguarding process through the aspect of valorisation — expanding the understanding of the meaning of such journeys and how the practice has matured over the decades.

Listening to Senior Master Camiz’s account was an opportunity to gain a deeper understanding of the opening statement on the Safeguard Group's website — just as it is when we witness the efforts of Senior Master Fabio Gomes. Both represent concrete examples of actions that contribute to the safeguarding of the Ving Tsun System, each in their own way.

Meus discípulos, o Tutor José Carlos (foto à esquerda) e o Mestre Keith Markus (foto à direita), puderam acompanhar o compartilhamento diretamente do Pólo de Acesso Rio de Janeiro, localizado no Méier. O relato do Mestre Sênior Paulo Camiz, enriquecido pelas pontuações cirúrgicas do Grão-Mestre Leo Imamura, integrou-se à Instrução Kung Fu(Fundamentada na natureza de um Domínio), um instrumento do Programa de Salvaguarda.

Trata-se de um recurso , inspirado nos relatos de Vida Kung Fu do Patriarca Moy Yat, que potencialmente prepara seus descendentes para interpretar as sutilezas dos processos relacionais que compõem a vivência de um domínio do Sistema Ving Tsun no cotidiano, valorizando profundamente a importância da Linhagem Moy Yat.

Nesse contexto, o Grão-Mestre Leo Imamura destacou o quanto percebeu o Mestre Camiz verdadeiramente próximo a ele durante a viagem. Ou, como ele próprio teria dito: "Dentro da mesma Dimensão". Segundo minha interpretação das palavras do Grão-Mestre, muitas vezes alguém pode estar fisicamente ao nosso lado durante uma viagem, mas, ao mesmo tempo, a quilômetros de distância — ou até mesmo em dimensões diferentes.

My disciples, Tutor José Carlos (photo on the left) and Master Keith Markus (photo on the right), were able to follow the session directly from the Access Hub in Rio de Janeiro, located in the Méier district.

The account shared by Senior Master Paulo Camiz, enriched by the precise and insightful observations of Grandmaster Leo Imamura, was integrated into the Kung Fu Instruction (based on the nature of a Domain), an instrument within the Safeguarding Programme.

This resource is inspired by the Kung Fu Life accounts of Patriarch Moy Yat and is designed to prepare his descendants to interpret the subtleties of relational processes that form the lived experience of a Domain within the Ving Tsun System in everyday life — while deeply valuing the significance of the Moy Yat Lineage.

In this context, Grandmaster Leo Imamura emphasised how strongly he felt Senior Master Camiz was truly close to him during the journey. Or, as he himself expressed: "Within the same Dimension."

According to my interpretation of the Grandmaster's words, it is entirely possible for someone to be physically beside us on a journey, yet simultaneously be kilometres away — or even in an entirely different dimension.



Particularmente, eu estava interessado em temas como o uso do "Hung Baau", a etiqueta Kung Fu à mesa durante as refeições e os procedimentos diante do túmulo do Patriarca Moy Yat. Esses pontos representam buscas pessoais minhas por uma compreensão mais profunda de aspectos que considero extremamente importantes — mas que, muitas vezes, podemos levianamente considerar como encerrados ao longo de uma jornada prolongada.

Por outro lado, lembro que nos meus primeiros contatos com o Grão-Mestre Leo Imamura, quando iniciei meu novo trabalho e passei a atuar sob sua orientação, ele mencionou mais de uma vez algo que me marcou: o fato de alguém poder estar há décadas em uma Família Kung Fu sem jamais ter adentrado a Dimensão Kung Fu — ou, quando muito, ter apenas tocado sua superfície por breves momentos.

Personally, I was particularly interested in themes such as the use of the “Hung Baau”, Kung Fu table etiquette during meals, and the ritual procedures at the Patriarch Moy Yat's resting place. These points represent personal pursuits of mine in search of a deeper understanding of aspects I consider extremely important — yet which we often, perhaps carelessly, regard as resolved or no longer relevant over the course of a long journey.

On the other hand, I recall that during my initial interactions with Grandmaster Leo Imamura, when I began a new phase in my professional life and started working under his guidance, he mentioned something on more than one occasion that left a lasting impression on me: the idea that someone may spend decades within a Kung Fu Family without ever truly entering the Kung Fu Dimension — or, at most, only brushing its surface for fleeting moments.



Acredito que aquilo que mais me marcou no relato do Mestre Sênior Paulo Camiz não foi necessariamente o que ele falava, mas a maneira como ele falava — sua atitude durante esse encontro online. Do meu ponto de vista, percebi uma pessoa consciente, em muitos níveis, sobre sua participação em uma viagem como essa, e que busca consciência naquilo que ainda não compreende, deixando inclusive sempre clara, de forma pública, sua disponibilidade para com seu Si Fu.

Da parte do Grão-Mestre Leo Imamura, foi importante ouvir suas considerações sobre a conduta de um Si Fu durante esse tipo de Viagem Kung Fu, que envolve muita responsabilidade — inclusive com a pessoa que se disponibiliza a acompanhar.

I believe that what struck me most in Senior Master Paulo Camiz’s account was not necessarily what he said, but how he said it — his attitude throughout the online meeting.

From my perspective, I observed someone who was deeply aware, on many levels, of his role in a journey of this nature, while also seeking clarity and understanding in areas he had yet to fully grasp. Notably, he consistently and publicly expressed his ongoing availability and dedication to his Si Fu.

From Grandmaster Leo Imamura’s side, it was especially meaningful to hear his reflections on the conduct expected of a Si Fu during this kind of Kung Fu travel — a process that involves great responsibility, particularly towards the individual who chooses to make themselves available as a travelling companion.