Estávamos parados de pé, eu, o Grão-Mestre Leo Imamura e a Sra. Elisa Wanderley, de frente à porta do quarto dele no hotel Link Stay. Já havia passado da 1h da manhã e a conversa, de repente, cessou. Mestre Felipe Soares havia ido até a recepção para trocar o cartão que dava acesso ao quarto, e eu lutava internamente sobre se deveria ou não falar com o Si Gung. Naqueles tempos, eu tinha um entendimento equivocado de que propor alguma coisa ao Si Gung, ou mesmo estar ali de certa forma, significava 'contornar' meu Si Fu para ter acesso à geração acima. Porém, naquele mesmo dia, mais cedo, um dos meus irmãos Kung Fu havia pedido ajuda ao Si Gung com sua 'Jornada Kung Fu'. Si Gung o ouviu com muito respeito e aceitou ajudá-lo. Eu estava de pé, escorado na parede, e ouvi tudo. Internamente, pensei: 'Ué, eu podia ter proposto isso?' - A naturalidade com que meu irmão Kung Fu tratou o problema foi desconcertante para mim, mas também inspiradora. Mais uma vez, minha sorte imbatível me colocava no lugar certo na hora certa.
Então, de pé ali, com o Grão-Mestre Leo e a Sra. Elisa, perguntei ao Si Gung se ele poderia me ajudar com a formação dos meus To Dai. – "E por que você acha que precisa da minha ajuda?" – perguntou Si Gung, com um dos seus olhares bem característicos, composto por um semi-sorriso e uma sobrancelha levemente levantada, como se, em algum nível, me desafiasse sobre o que eu iria responder. Ele estava encostado na parede com as duas mãos para trás. Não tive dúvidas do que diria: '...Acho que não estou conseguindo fazer um bom trabalho com eles... A partir do 'Cham Kiu', a gente estagna...' Ele sorriu e me explicou, dizendo que sabia a razão de aquilo estar acontecendo. Em seu quarto, tivemos uma longa reunião com a presença do Mestre Felipe e da Sra Elisa, e Si Gung quis saber um pouco mais sobre o Keith Markus e quem era ele (foto acima), afinal, eu havia sugerido seu nome.
Si Gung aceitou me ajudar com o apoio dos líderes da Família Moy Fei Lap. Agora, faltava só comunicar isso ao Markus.
We were standing, me, Grandmaster Leo Imamura, and Mrs. Elisa Wanderley, in front of his room door at the Link Stay hotel. It was already past 1am, and the conversation suddenly ceased. Master Felipe Soares had gone to the reception to change the card that granted access to the room, and I was struggling internally about whether I should speak with Si Gung or not. At that time, I had an incorrect understanding that proposing something to Si Gung, or even being there in some way, meant 'bypassing' my Si Fu to gain access to the generation above. However, earlier that same day, one of my Kung Fu brothers had asked Si Gung for help with his 'Kung Fu Journey'. Si Gung listened to him with great respect and agreed to help. I was standing against the wall and overheard everything. Internally, I thought: 'Wait, I could have proposed this?' – The naturalness with which my Kung Fu brother dealt with the problem was unsettling to me, but also inspiring. Once again, my unbeatable luck had placed me in the right place at the right time.
So, standing there with Grandmaster Leo and Mrs. Elisa, I asked Si Gung if he could help me with the formation of my To Dai.– "And why do you think you need my help?' – Si Gung asked, with one of his characteristic looks, consisting of a half-smile and an eyebrow slightly raised, as if, on some level, he was challenging me about what I would respond. He was leaning against the wall with both hands behind him.I had no doubt about what I would say: '...I think I’m not doing a good job with them... From 'Cham Kiu' onwards, we stagnate...' - He smiled and explained to me, saying he knew the reason why that was happening. In his room, we had a long meeting with the presence of Master Felipe and Mrs Elisa, and Si Gung wanted to know more about Keith Markus and who he was (photo above), after all, I had suggested his name. Si Gung agreed to help me with the support of the Moy Fei Lap family leaders. Now, I just needed to inform Markus.
Eu estava andando por um shopping na Zona Norte alguns dias depois, quando decidi ligar para o Markus. Nos anos anteriores, fiz contato com o Markus muitas vezes, comunicando diversas mudanças, fossem relacionadas a uniformes, eventos, novos programas e muitas outras coisas que eu tentava acompanhar com minha Família Kung Fu, e que sempre podia contar com seu apoio. Em algum nível, sabia que isso também havia causado certo desgaste, mas precisava dessa sua última confirmação. Acredito que, de tudo o que poderia falar para o Markus ao telefone, ele não conseguiria adivinhar que o convidaria para iniciar o processo de titulação de Mestre, não comigo apenas, mas com o Grão-Mestre Leo Imamura, seguindo o Programa de Salvaguarda e com o apoio dos membros que viriam a compor o Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group. Assim como a decisão do meu irmão Kung Fu de fazer aquele pedido ao Si Gung havia mudado tudo para mim, a decisão do Markus de confiar mais uma vez mudaria tudo para seus irmãos Kung Fu também. Sua assinatura sempre foi de dedicação total a tudo o que se propôs a fazer na Família Kung Fu, e com seu processo de titulação não seria diferente. Seu exemplo foi sendo seguido pelos demais, um por um, e a Família Kung Fu foi se transformando aos poucos para melhor. E pude finalmente contar com algo que para mim sempre foi muito valioso: a supervisão de perto do Si Gung, sempre demonstrando total interesse e apoio para que nós pudéssemos encontrar nosso caminho, agora, dentro da "Dimensão Kung Fu" ao acessar e transmitir o Sistema Ving Tsun adequadamente.
I was walking through a shopping mall in the North Zone a few days later when I decided to call Markus. In the previous years, I had contacted Markus many times, communicating various changes, whether related to uniforms, events, new programmes, and many other things I was trying to keep up with in my Kung Fu Family, and I could always count on his support. On some level, I knew this had also caused some strain, but I needed his final confirmation. I believe that, of everything I could have said to Markus on the phone, he wouldn’t have guessed that I was inviting him to begin the process of becoming a Master, not just with me, but with Grandmaster Leo Imamura, following the Safeguard Programme and with the support of the members who would come to make up the Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group. Just as my Kung Fu brother’s decision to make that request to Si Gung had changed everything for me, Markus’s decision to trust once more would also change everything for his Kung Fu brothers. His signature had always been a total dedication to everything he set out to do in the Kung Fu Family, and with his titling process, it would be no different. His example was followed by others, one by one, and the Kung Fu Family was slowly transforming for the better. And I could finally count on something that had always been very valuable to me: the close supervision of Si Gung, always demonstrating total interest and support so that we could find our way, now, within the "Kung Fu Dimension", as we accessed and transmitted the Ving Tsun System appropriately.
Ao longo das semanas, as coisas começaram a mudar para melhor. Pude redescobrir internamente a alegria de praticar Ving Tsun, com foco em como me aprofundar no Sistema, tanto como praticante quanto como transmissor. Não precisava mais dedicar tempo a nada que não fosse esse estudo, e pude ver o mesmo em meus To Dai, que já estavam participando desse processo. Porém, sabendo que o nível do grupo que estava me inserindo era alto, ainda me via preso em alguns entendimentos equivocados que carregava comigo.
Certa vez, em uma conversa online com outros Mestres, Si Gung comunicou sobre minha decisão, e todos me receberam de braços abertos. Quando a palavra foi passada para mim, eu tinha uma última pergunta a fazer... Indaguei sobre estar junto de meu discípulo nesse reestudo do Programa. No fundo, eu sabia que teria muitas dúvidas, e queria tirar todas, incluindo as mais básicas. Comentei que estava preocupado sobre como isso poderia soar para minha Família Kung Fu. Felizmente, Mestre Gabriel Mendes estava presente, e a pedido do Grão-Mestre Leo Imamura, compartilhou algumas palavras que afetaram profundamente minha trajetória com o Markus e os demais a partir dali, no reestudo do Programa.
Mestre Gabriel, que acompanhava esses estudos exatamente com seu Si Fu, o Mestre Nataniel Rosa, comentou com uma dúvida sincera em seu tom de voz, dizendo que não conseguia entender o meu ponto. Ele explicou que, no caso dele, depois de viver tantas experiências marcantes com seu Si Fu, ver seu Mestre ter dúvidas ou cometer um equívoco em um estudo , nunca poderia arranhar essa relação, caso participassem juntos. A certeza em suas palavras foi suficiente para que eu abrisse mão de qualquer dúvida a esse respeito. E, independentemente de quem estivesse online da minha Família, eu tirava minhas dúvidas com sinceridade.
Over the weeks, things began to improve. I was able to rediscover the joy of practising Ving Tsun, with a focus on how to deepen my understanding of the System, both as a practitioner and as a transmitter. I no longer needed to dedicate time to anything other than this study, and I could see the same in my To Dai, who were already participating in this process. However, knowing that the level of the group I was being included in was high, I still found myself held back by some misconceptions I carried with me.
One time, during an online conversation with other Masters, Si Gung communicated about my decision, and everyone welcomed me with open arms. When the floor was passed to me, I had one last question to ask... I inquired about being with my disciple in this re-study of the Programme. Deep down, I knew I would have many doubts, and I wanted to clear them all, even the most basic ones. I mentioned that I was concerned about how this might sound to my Kung Fu Family. Fortunately, Master Gabriel Mendes was present, and at Grandmaster Leo Imamura’s request, he shared some words that deeply affected my journey with Markus and the others from then on, during the re-study of the Programme.
Master Gabriel, who was following these studies exactly with his Si Fu, Master Nataniel Rosa, commented with a sincere doubt in his voice, saying that he couldn’t understand my point. He explained that, in his case, after having lived so many significant experiences with his Si Fu, seeing his Master have doubts or make a mistake in a study could never tarnish their relationship. The certainty in his words was enough for me to let go of any doubt on this matter. And, regardless of who was online from my Family, I asked my questions sincerely.
Caso eu tivesse decidido seguir por conta própria com as titulações na minha Família, mesmo intuindo que havia deficiências em vários aspectos, eu teria uma oportunidade muito comum: a de tentar fazer melhor na minha vez. Sabe, é como ter uma perspectiva sobre o que me foi entregue pelo meu Si Fu e tentar fazer melhor do que ele. Esse é um erro clássico. Provavelmente, Markus seria o primeiro a ser prejudicado nessa tentativa, e, quando eu me desse conta disso, tentaria fazer mais uma mudança com o próximo ou próximos Mestres, e assim sucessivamente, até que a Família se perdesse.
Por isso, contar com a experiência do Si Gung e dos demais membros do Grande Clã que seguem alinhados com ele foi fundamental para poder entender questões básicas: O que é ser um Mestre de Ving Tsun? O que define o trabalho de um Mestre? De quem vem essa definição? O que a nossa genealogia entende pelo trabalho de um Si Fu?
Graças ao trabalho do Instituto Moy Yat, esse material estava disponível, e absolutamente tudo que era apresentado por Si Gung tinha o amparo de algum documento ou vídeo no qual o Patriarca Moy Yat, parecendo prever o futuro, já destacava aquele tópico. Isso me ajudou a ter um novo entendimento dos arranjos da genealogia e das minhas possibilidades dentro dela, tanto como descendente quanto como alguém que terá uma descendência. E fico feliz de sentir em meu coração que, talvez, a minha grande contribuição para minha Família tenha sido não condená-la a uma decisão minha de tentar "consertar" qualquer coisa ou fazer do meu jeito. Consigo sentir isso claramente.
Had I decided to proceed on my own with the titles in my Family, even though I sensed there were deficiencies in several aspects, I would have faced a very common opportunity: the chance to try to do better in my turn. You know, it's like having a perspective on what was given to me by my Si Fu and trying to do better than he did. This is a classic mistake. Markus would probably have been the first to be harmed by this attempt, and when I realised this, I would have tried to make another change with the next or subsequent Masters, and so on, until the Family was lost.
That’s why relying on Si Gung’s experience and the other members of the Grand Clan who are aligned with him was crucial in understanding some basic questions: What does it mean to be a Ving Tsun Master? What defines the work of a Master? Where does that definition come from? What does our genealogy understand by the work of a Si Fu?
Thanks to the work of the Moy Yat Institute, this material was available, and everything presented by Si Gung had the backing of a document or video in which Patriarch Moy Yat, seeming to foresee the future, had already highlighted that topic. This helped me gain a new understanding of the arrangements within the genealogy and my possibilities within it, both as a descendant and as someone who will have a lineage. And I’m glad to feel in my heart that, perhaps, my greatest contribution to my Family was not condemning it to a decision of mine to try to "fix" anything or do things my way. I can feel that clearly.
Então, eu acho que essa é uma história de "corações abertos e guardas fechadas", pois cada "sim" dado ao longo desses dois anos à Vida Kung Fu, à Experiência Marcial e, principalmente, ao ato de se submeter ao todo antes da parte, possibilitará que Markus suba ao tablado para receber os símbolos de legitimidade, podendo inaugurar sua própria Família Kung Fu e ostentar o título de Mestre com dignidade e espírito de iniciante. E quando ele fizer isso, será importante saber que ninguém poderá afirmar com certeza, nem mesmo ele, de quem aprendeu o que ou quando. Porque haverá ali um pouquinho de cada membro do Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, com destaque para o Grão-Mestre Leo e para a Professora Vanise, o que me permitirá arranhar a superfície de um objetivo muito importante que aprendi a almejar com mais intensidade nestes dois anos: o de ser um Si Fu dispensável.
Eu nunca desisti.
So, I believe this is a story of "open hearts and closed guards," because every "yes" given over these two years to the Kung Fu Life, to the Martial Experience, and, most importantly, to the act of submitting to the whole before the part, will enable Markus to step onto the stage to receive the symbols of legitimacy, allowing him to inaugurate his own Kung Fu Family and bear the title of Master with dignity and the spirit of a beginner. And when he does so, it will be important to know that no one, not even he, will be able to say with certainty who he learned what from, or when. Because there will be a bit of each member of the Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group, with special mention to Grandmaster Leo and Professor Vanise, which will allow me to scratch the surface of a very important goal I have learned to strive for more intensely over these two years: to be a dispensable Si Fu.
I never gave up.