No dia 8 de novembro, a convite do Mestre Sênior Fabio Gomes e com a anuência do Grão-Mestre Leo Imamura, participei do trabalho de apoio prestado ao 44º Curso de Ações Táticas (CAT II/2025), realizado no Batalhão de Operações Especiais (BOPE), uma das instituições de excelência mais respeitadas do mundo, sediada na cidade do Rio de Janeiro.
Nosso time também foi composto pelo Comandos Marcelo Alves, veterano do 1º Batalhão de Forças Especiais do Exército Brasileiro. Fomos recebidos de forma extremamente profissional, respeitosa e calorosa pelos oficiais e pelos alunos do curso.
Poderia simplesmente afirmar que participar de uma formação conduzida em uma unidade símbolo de excelência, disciplina e coragem foi uma vivência que me enche de orgulho em minha trajetória profissional. No entanto, gostaria de compartilhar algumas reflexões adicionais sobre essa experiência.
Como já ressaltou o Grão-Mestre Leo Imamura, na cultura clássica chinesa existe o princípio de que “1 = 3”. O que isso significa?
Significa, por exemplo, que uma atividade como esta — trabalhar com o Sistema Ving Tsun da Linhagem Moy Yat em um contexto tão singular — exige preparação profunda. Assim, esse “momento único” se desdobra em um “pré-evento”.
Com esse entendimento, me reuni dias antes com o Mestre Sênior Fabio Gomes e com meu aluno Daniel Eustáquio para planejarmos detalhadamente o trabalho a ser desenvolvido durante as quatro horas de atividade junto aos alunos do CAT II/2025 no BOPE.
Todo o trabalho foi fundamentado na noção de “Noi Lik” (內力). Embora muitos interpretem esse conceito como “energia interna”, nossa proposta foi apresentá-lo como a capacidade de internalizar uma força externa, utilizando-a de forma inteligente e favorável — em outras palavras, empregar a energia disponibilizada pelo adversário em benefício próprio.
“O que significa a palavra ‘arte’ em ‘arte marcial’? Captar e usar, por intermédio do gesto e da ordenação das coisas, toda a eficácia possível.”
Dessa forma, nossa intenção ao conduzir esse estudo sobre o “Noi Lik” (內力) foi estimular uma conduta apropriada diante do inédito, elemento presente a cada instante em operações de alto risco.
Fica, portanto, a reflexão: como transformar esse princípio em prática concreta?
Antes de comentar sobre como realizamos esse trabalho, gostaria de expressar meu sincero agradecimento ao Grão-Mestre Leo Imamura, que, com sua determinação, trouxe para o Brasil, em 1988, o Sistema Ving Tsun da Linhagem Moy Yat. Essa iniciativa visionária possibilitou que profissionais como o Mestre Sênior Fabio Gomes — e eu próprio — pudéssemos vivenciar oportunidades tão significativas quanto esta.
Durante o almoço de pré-evento que antecedeu o evento em si, chegamos à conclusão de que utilizaríamos o Programa Ving Tsun Experience como base metodológica para o trabalho.
Assim, propusemos aos alunos que assumissem uma “Configuração Fundacional Estratégica” . Em outras palavras, todas as atividades realizadas naquele dia se iniciariam a partir de uma configuração estratégica inicial em duplas, permitindo que cada participante pudesse calcular previamente e com precisão todos os fatores envolvidos, conduzindo a situação de modo que esses fatores lhes fossem plenamente favoráveis.
Dessa forma, a vitória não seria um objetivo em si, mas sim a consequência natural e previsível do desequilíbrio do adversário, provocado por meio de uma ação estratégica consciente.
Após as primeiras rodadas, surgiu um indício significativo de que estávamos no caminho certo. Em determinado momento, um dos alunos conseguiu desvencilhar seu braço em um dos exercícios propostos, demonstrando atenção não apenas às etapas estratégicas, mas também — como enfatizou o Mestre Sênior Fabio Gomes naquela noite — à atenção ao outro.
Surpreso, o aluno exclamou:
“É fácil!”
Essa reação espontânea — transformar o difícil em fácil — já é prevista nos tratados clássicos de estratégia chinesa, segundo os quais o verdadeiro estrategista alcança apenas vitórias fáceis.
Compreenda-se: “fáceis” não por falta de desafio, mas porque, no momento em que se concretizam, já não exigem mais proezas táticas nem grande esforço humano. É como o líder que, mesmo ao alcançar o êxito, não é aplaudido, pois as verdadeiras qualidades estratégicas muitas vezes passam despercebidas.
No singelo momento, ao verbalizar sua percepção, aquele aluno vivenciou o conceito através do corpo. Foi algo profundamente marcante para mim — impossível não esboçar um sorriso diante da clareza que aquele gesto revelou.
Naquela noite, eu vivenciava não apenas um marco em minha trajetória como profissional de artes marciais, mas também um momento transformador como pessoa. Sentia uma profunda gratidão, pois, desde que iniciei minha prática aos 15 anos de idade, até aquele momento, aos recém-completados 42 anos, havia percorrido uma longa e significativa caminhada.
Todo o trabalho desenvolvido com os alunos, não se apoiava em qualidades individuais de nossa equipe, tampouco em nossa habilidade de combate, mas em algo que compreendo como o que o Grão-Mestre Leo Imamura define como “coerência profunda”.
Nos dedicamos intensamente à elaboração de cada atividade e à construção de cada etapa estratégica, de modo que as soluções adotadas em um momento, caso desconsiderassem o adversário, se mostrassem ineficazes na etapa seguinte — permitindo que o próprio aluno percebesse isso, sem que fosse necessário apontar o erro. Essa dinâmica também foi cuidadosamente antecipada.
Nosso propósito era que os alunos pudessem através dos movimentos agir como estrategistas, capazes de utilizar o potencial da situação para alcançar o máximo efeito com o mínimo dispêndio de energia.
Por meio dos movimentos, buscamos transmitir que o fator determinante não é a boa vontade individual, mas sim a propensão objetiva que decorre naturalmente da forma como a situação está estruturada. Assim, ao ressignificarem o uso dos braços, das pernas e do corpo dentro da lógica do Sistema Ving Tsun, os participantes poderiam experimentar esse potencial nascente da disposição estratégica inicial — a chamada Configuração Fundacional Estratégica.
Esse princípio é comparável a fazer pedras redondas rolarem do pico mais elevado: uma vez iniciado o movimento, o curso natural da ação conduz ao resultado.
Foi por isso que o aluno, ao constatar espontaneamente, disse:
“É fácil!”
Essa frase simples sintetizou, de maneira profunda, a vivência prática do conceito que buscávamos transmitir.
É importante destacar a perseverança do Mestre Sênior Fabio Gomes(foto acima), que há quase três décadas vem promovendo o Sistema Ving Tsun em ambientes de alta performance e alto nível de exclusividade. Sua atuação tem contribuído diretamente para elevar o prestígio do Sistema Ving Tsun em contextos de excelência técnica e estratégica — resultado de sua fidelidade ao próprio sonho e de uma trajetória pautada pela dedicação e pela visão de longo prazo.
Ao longo das quatro horas de aula, o Mestre Fabio demonstrou notável capacidade de liderança, conduzindo nossa equipe com maestria. Contudo, há 25 anos, os resultados hoje visíveis ainda pareciam distantes. Essa trajetória nos lembra que, na arte da estratégia, o meio e o fim nem sempre estão claramente definidos; são, antes, as noções de dispositivo e eficácia que assumem papel central no desenvolvimento de qualquer processo de alto nível. Como o próprio Mestre Fabio diz: “Confie na regulação das coisas.”
Tão importante quanto a determinação, foi o respeito do Mestre Fabio a cada etapa estratégica em busca de seus objetivos. Seguir essas etapas com disciplina é condição necessária para o êxito, mas o verdadeiro diferencial está também no valor pessoal que se manifesta em cada decisão, em cada ação.
Como exemplifica o professor François Jullien:
“Por mais densas que sejam as nuvens, uma minhoca não poderia encontrar apoio nelas para voar — ao contrário do dragão.”




