sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Convivendo com o Sensei Ricardo Leite e com o Grão-Mestre Leo Imamura

(Com o gentil Sensei Ricardo Leite no querido restaurante que frequentamos)

Apesar de o Grão-Mestre Leo Imamura ter me convidado a refletir sobre uma série de tópicos relacionados à necessidade de maior atenção e de uma conduta mais apropriada ao final de uma prática que havia se encerrado, suas palavras pareciam não ter surtido o efeito desejado naquele momento.

Estávamos a caminho de uma das unidades do restaurante Jucalemão, com ele dirigindo e o Sensei Ricardo Leite (sétimo dan de Aikido e discípulo do Sensei Yamada) ao seu lado. No entanto, meus pensamentos escapavam para o ônibus que eu precisava pegar a tempo de estar em uma reunião no dia seguinte. Havia um compromisso de trabalho agendado, mas, em último caso, eu poderia reagendá-lo. Ainda assim, aquela reunião era uma oportunidade pela qual eu vinha aguardando o ano todo...

Em determinado momento, o Sensei Ricardo dirigiu-se a mim e fez alguns comentários positivos sobre a minha performance — creio que mais por sua boa vontade comigo. Eu sei o quanto ainda preciso melhorar. Por outro lado, ele também comentou sobre o valor de termos alguém que nos oriente, e nisso todos no carro concordamos.

Sentamos para jantar. Não me lembro de outras pessoas no restaurante — talvez eu não estivesse atento. Quando voltei do banheiro, o pedido já havia sido feito pelo GM Leo Imamura e, pouco tempo depois, a comida chegou. Estávamos juntos desde cedo, desde o café da manhã, quando também se juntou a nós a Mestra Cristina.

 

Estar com o Sensei Ricardo Leite, na minha visão, é sempre uma oportunidade de presenciar conversas especiais — de alguém genuinamente preocupado com os rumos que sua arte, o Aikido, vem tomando e com a compreensão dos praticantes sobre a execução das técnicas. Para ele, as técnicas não devem ser vistas como uma simples coreografia, mas como a expressão de uma compreensão profunda de como permitir que o movimento aconteça naturalmente, a partir da propensão gerada pela interação entre os dois praticantes.

Sensei Ricardo Leite, que frequentemente faz referência ao seu mestre, Yamada Sensei, compartilhou algo que me tocou profundamente:

Yamada Sensei veio pela primeira vez ao Brasil em 1991, e inclusive teve o Kawai Sensei como convidado. O Kawai Sensei havia me convidado para o 4º Dan, mas eu declinei do convite. Eu era bem conceituado no Brasil, mas sentia que a conceituação que me atribuíam não correspondia à minha real compreensão. Quando Yamada Sensei veio, essa sensação se confirmou.

Essas palavras me impactaram muito, pois ressoam com algo que sempre senti em minha própria trajetória. Mesmo tendo recebido o título de Mestre pela antiga Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence em 2015 e, dois anos depois, pela International Moy Yat Ving Tsun Federation, em 2017, eu mantinha dentro de mim uma sensação de que minha capacidade estava aquém dos títulos que ostentava.

Parte disso vinha da falta de uma compreensão mais profunda sobre o que esses títulos realmente representam — e sobre as diversas razões que podem levar alguém a recebê-los. Ainda assim, mesmo considerando a ideia de Mestre como aquele que domina um sistema, eu não me sentia plenamente satisfeito. Com o passar dos anos, e principalmente com a experiência de transmissão com meus primeiros alunos, esse sentimento foi se tornando cada vez mais evidente.

É fácil se enganar e se colocar numa posição em que se evita a exposição a qualquer custo — até mesmo o simples ato de tirar uma dúvida em público. Mas existe outro caminho: o de se permitir buscar a excelência. Como disse Bernardinho, o técnico multicampeão da seleção brasileira de vôlei, “a excelência é um alvo móvel”. Cada vez que você se aproxima dela, percebe que aquilo que fazia antes talvez já não seja mais suficiente agora.


O Sensei Ricardo Leite continuou com suas considerações:

“...Mas é maravilhoso, porque ele (Yamada Sensei) me provou isso — mostrando como acessar aquilo que realmente interessa para crescer. Quando ele veio, com toda a sua estrutura, formação e experiência — afinal, ele foi discípulo do próprio fundador, desde a raiz  —, apresentou uma estrutura de uma profundidade incrível. Movimentos básicos que, para mim, eram desenvolvidos de forma intuitiva, encontraram então bases sólidas de desenvolvimento. Foi chocante e maravilhoso. Porque o espírito que eu havia desenvolvido naquela época (antes desse encontro) era justamente a energia de que eu precisava para, com os instrumentos que ele apresentava, transpor o nível em que eu me encontrava...”

Essas palavras me fizeram lembrar de um dia em que, ao sair de um compromisso profissional em outro ramo no qual atuo, resolvi ligar para o Grão-Mestre Leo Imamura e perguntar se ele achava interessante que eu adquirisse o Curso do Boneco de Madeira, que ele e seus parceiros haviam acabado de disponibilizar pelo canal Kung Fu Life. Eu queria melhorar, e perguntei com sinceridade.

O Grão-Mestre teria respondido que considerava fundamental que todo profissional adquirisse o curso. Quando comecei a assistir, realmente foi algo muito impactante. O Grão-Mestre Leo Imamura propunha uma exploração do boneco de madeira que ia muito além do que eu imaginava. Essa constatação me fez perceber o quanto ainda não sabia explorar o Sistema.

Um ano depois, ao revisar o Domínio Mui Fa Jong com ele no Instituto Moy Yat, demonstrei o Da Jong, e ele comentou:

Está melhor do que eu pensava... basta saber se você vai se contentar com esse rascunho.”

Não consegui conter uma leve risada enquanto olhava para o boneco. Naquele momento, já fazia 21 anos desde que eu havia sido apresentado ao Da Jong. Eu nunca fui o mais inteligente, o mais forte ou o mais habilidoso — mas sempre fiz a minha parte. E, mesmo assim, ainda era apenas um rascunho. E eu sabia que era verdade..

(Sensei Ricardo Leite aguarda o autografo no livro de autoria de GM William Moy)

O Sensei Ricardo Leite completa seu raciocínio:

“...O ponto não é onde você coloca o pé ou a mão, mas o que você faz — como o pé chega aqui, como a mão chega lá, para onde vai e por que está lá. Colocar o pé e a mão, hoje em dia, qualquer vídeo no YouTube mostra.
Ele (Yamada Sensei) não apenas ensinava onde o pé e a mão deveriam ficar — não de forma absoluta e verdadeira, mas de modo estruturado e fundamentado. Ou seja, não estava ensinando o certo e o errado; estava ensinando estrutura, oferecendo instrumentos para que eu pudesse superar o nível em que me encontrava.
Era exatamente o que eu precisava naquela época. Foi algo radical. Muita gente entrou em uma espécie de ‘depressão no Aikido’, porque o choque foi grande. Mas muitos continuaram e ficaram felizes com o encontro desses novos instrumentos.
Cada um tinha seu propósito. O meu era superar o nível em que eu estava até então
.”

— conclui o Sensei Ricardo Leite, sobre o início de sua jornada com o Sensei Yamada.

O Mestre Quintela já disse que o Programa Ving Tsun Experience contém uma série de orientações valiosas sobre o Sistema Ving Tsun, e hoje tenho plena certeza de quanto o estudo desse Programa me ajuda como praticante — e também ajuda minha Família — a desenvolver uma abordagem mais clara e profunda do Sistema, sem dúvidas.

Lembro-me de estar prestes a entrar no prédio dos pais do Grão-Mestre Leo Imamura com ele em seu carro. Nessas ocasiões, ele costuma relaxar o cotovelo esquerdo próximo à janela, segurando levemente o volante. Com a mão direita, segura o controle do portão e apoia o braço relaxado sobre a coxa direita. Toda a sua postura se torna mais tranquila do que quando está dirigindo.

Nesse momento do dia, algumas coisas costumam acontecer: ou ele conclui algo que estava dizendo, ou inicia um novo raciocínio — ou, o que mais me encanta, ele amarra um raciocínio, conectando tudo o que fizemos em termos de prática e Vida Kung Fu desde o primeiro dia daquela viagem em questão. É como se mostrasse, com clareza, que estava atento a tudo e me ajudasse a perceber como uma mesma conduta se manifesta em diferentes aspectos do nosso dia e como podemos trabalhá-la.

Naquele dia em particular, não me lembrava se ele estava concluindo ou iniciando um novo raciocínio enquanto esperávamos o portão — que teima em nunca abrir. Mas, pelo que entendi da história que contava, alguém lhe havia perguntado como ele conseguira ir tão fundo a partir do Siu Nim Do, e ele teria respondido explicando que tudo vinha da demanda que ele tinha.

Esse motivo aparentemente simples me emocionou profundamente. Fiquei olhando para frente, perdido em pensamentos. Porque foi também a demanda com meus alunos que me levou até ali naquele carro.
E é essa mesma demanda pela salvaguarda de um legado que parece mover o Sensei Ricardo. Talvez por isso, suas palavras tão bem colocadas me remeteram a todos esses fragmentos de memória que agora compartilho aqui.