Enquanto esperava meu voo atrasado em Congonhas, rumo a Brasília para encontrar o Grão-Mestre Leo Imamura, meu Si Gung, sentia minhas pernas doerem por estar de pé há mais de duas horas e meia, usando sapatos. Talvez eu pudesse me sentar no chão, como muita gente estava fazendo, ou até me escorar em alguma barra de ferro que divide as filas. Ou quem sabe, usar um tênis mais confortável ou até chinelos. Acontece que, ao longo deste ano de 2024, tive oportunidades únicas de entender melhor que representamos o Sistema Ving Tsun onde quer que estejamos. Não se trata de se vestir bem, mas de dimensionar o potencial de cada momento, embora, muitas vezes, a gente acabe esquecendo disso.
Lembro-me de quando, no início do segundo semestre, encontrei o Mestre Fabio Gomes em um shopping da Zona Oeste. Na ocasião, estava vestindo um sapato, uma calça do meu terno preferido e uma camisa regata. Esse sempre foi um conjunto com o qual me sentia bem. No entanto, alguns dias depois, o Mestre Fabio me alertou sobre a minha falta de condições de ser apresentado à chefia do local devido à minha vestimenta. Isso porque talvez eu não seria apenas apresentado como Thiago Pereira, mas como representante do Safeguardo Group. Então, fiquei de pé exatamente como estava e feliz com a roupa que havia escolhido.
Dentro do avião, cochilei algumas vezes. Havia saído do Rio, peguei um ônibus até São Paulo e, de lá, outro até Brasília, sem parar. Muita gente me pergunta como consigo viajar tanto, mas isso está relacionado ao que o Grão-Mestre Leo Imamura sempre fala sobre prioridades. Esse era o traslado mais em conta e eu não pensei duas vezes, a missão era chegar em Brasília. Devido ao atraso do meu voo, o Grão-Mestre Leo já havia aterrissado e estava me esperando. Eu precisei despachar a bagagem devido a um equipamento que estava levando, o que atrasou ainda mais minha saída. Quando finalmente o encontrei, ele me cumprimentou e eu o segui em silêncio. Foi então que me dei conta de que, pela primeira vez, estaria sozinho com ele em Brasília. Em todas as outras oportunidades, estava com meus discípulos ou com um Si Suk, quando sabia que a atenção seria dividida. Mas ali, ao perceber isso, fiquei um pouco travado… Afinal, seriam quatro dias.
Lembro-me de quando, no início do segundo semestre, encontrei o Mestre Fabio Gomes em um shopping da Zona Oeste. Na ocasião, estava vestindo um sapato, uma calça do meu terno preferido e uma camisa regata. Esse sempre foi um conjunto com o qual me sentia bem. No entanto, alguns dias depois, o Mestre Fabio me alertou sobre a minha falta de condições de ser apresentado à chefia do local devido à minha vestimenta. Isso porque talvez eu não seria apenas apresentado como Thiago Pereira, mas como representante do Safeguardo Group. Então, fiquei de pé exatamente como estava e feliz com a roupa que havia escolhido.
Dentro do avião, cochilei algumas vezes. Havia saído do Rio, peguei um ônibus até São Paulo e, de lá, outro até Brasília, sem parar. Muita gente me pergunta como consigo viajar tanto, mas isso está relacionado ao que o Grão-Mestre Leo Imamura sempre fala sobre prioridades. Esse era o traslado mais em conta e eu não pensei duas vezes, a missão era chegar em Brasília. Devido ao atraso do meu voo, o Grão-Mestre Leo já havia aterrissado e estava me esperando. Eu precisei despachar a bagagem devido a um equipamento que estava levando, o que atrasou ainda mais minha saída. Quando finalmente o encontrei, ele me cumprimentou e eu o segui em silêncio. Foi então que me dei conta de que, pela primeira vez, estaria sozinho com ele em Brasília. Em todas as outras oportunidades, estava com meus discípulos ou com um Si Suk, quando sabia que a atenção seria dividida. Mas ali, ao perceber isso, fiquei um pouco travado… Afinal, seriam quatro dias.
While waiting for my delayed flight at Congonhas airport, bound for Brasília to meet Grandmaster Leo Imamura, my Si Gung, I could feel my legs aching from standing for over two and a half hours in shoes. Perhaps I could sit on the floor, as many others were doing, or even lean on one of the metal bars dividing the queues. Or maybe I should have worn more comfortable trainers or even flip-flops. The thing is, throughout 2024, I’ve had unique opportunities to better understand that we represent the Ving Tsun system wherever we are. It’s not about dressing well; it’s about understanding the potential of each moment, although, at times, we tend to forget that.
I remember when, at the beginning of the second semester, I met Master Fabio Gomes at a shopping mall in the West Zone. On that occasion, I was wearing shoes, my favourite suit trousers, and a tank top. This was always an outfit I felt comfortable in. However, a few days later, Master Fabio pointed out that I wasn’t properly dressed to be introduced to the management at that location. This was because I might not only be introduced as Thiago Pereira, but as a representative of the Safeguardo Group. So, I remained standing exactly as I was, happy with the outfit I had chosen.
Once aboard the plane, I dozed off several times. I had left Rio, taken a bus to São Paulo, and then another to Brasília, all without stopping. Many people ask me how I manage to travel so often, but this is related to what Grandmaster Leo Imamura always says about priorities. This was the most economical route, and I didn’t hesitate—my mission was to get to Brasília. Due to the delay of my flight, Grandmaster Leo had already landed and was waiting for me. I had to check in my luggage because of some equipment I was carrying, which further delayed my departure. When I finally met him, he greeted me, and I followed him in silence. It was then that I realised that, for the first time, I would be alone with him in Brasília. On all previous occasions, I had been with my disciples or with a Si Suk, when the attention would be divided. But there, realising this, I became a little nervous… After all, it would be four days.
Ao me ver sozinho com o Si Gung e sua esposa, em um local que não era São Paulo, hospedado na casa dele, percebi o quão desafiador aquilo poderia ser para mim. Si Gung tem uma abordagem muito especial, que é simplesmente ficar em silêncio. Ele não fala absolutamente nada que não seja relevante para um melhor entendimento do nosso trabalho, da Dimensão Kung Fu, ou de como a falta de entendimento sobre como estudar o Sistema prejudica nossos alunos e a nós mesmos no dia a dia. Si Gung não se envolve em assuntos aleatórios, e eu também não sou nem um pouco bom nisso, então ficava em silêncio grande parte do tempo. Por outro lado, sabia que Si Gung estava completamente disponível, desde que o tema não fosse algo trivial. — "O que falar?" — pensava. Lembrei-me de um OVA que assisti quando tinha exatos 15 anos de idade, nele dois personagens históricos conversavam. Um deles, inspirado em Saito Hajime, um importante samurai e policial durante a transição do período Edo para a Era Meiji e um dos oficiais mais notáveis do Shinsengumi, diz ao personagem inspirado em Okita Souji, após este falar algo indevido: "Antes de falar, reúna seus pensamentos antes detransformá-los em palavras."- Essa frase reflete a personalidade e a filosofia de Saito, que é conhecido por sua frieza e precisão, tanto nas palavras quanto nas ações, na obra em questão. Fazia tempo que essa cena não me ocorria, mas me ajudou a lidar com o silêncio e minha incapacidade de mudar o cenário.
When I found myself alone with Si Gung and his wife, in a place that was not São Paulo, staying at his house, I realised how challenging that could be for me. Si Gung has a very special approach, which is simply to remain silent. He doesn’t say anything unless it’s relevant to a better understanding of our work, the Kung Fu Dimension, or how a lack of understanding of how to study the System harms our students and ourselves in daily life. Si Gung does not engage in random topics, and I am not good at that either, so I remained silent for most of the time. On the other hand, I knew Si Gung was completely available, as long as the subject wasn’t trivial. — "What should I say?" — I thought. I remembered an OVA I watched when I was exactly 15 years old, where two historical characters conversed. One of them, inspired by Saito Hajime, an important samurai and policeman during the transition from the Edo period to the Meiji Era and one of the most notable officers of the Shinsengumi, says to the character inspired by Okita Souji, after he says something inappropriate: "Before you speak, gather your thoughts before turning them into words." - This phrase reflects Saito’s personality and philosophy, known for his coldness and precision, both in words and actions, in the work in question. It had been a long time since that scene came to mind, but it helped me deal with the silence and my inability to change the situation.
No segundo dia, acordamos cedo para ir até a fazenda de sua família. Sua esposa foi para o banco traseiro e dormiu um pouco mais, o que nos permitiu conversar sobre alguns temas nos bancos dianteiros. A estrada de Brasília até Alto Paraíso estava maravilhosa: um céu com nuvens carregadas, com vegetação característica ou plantações em fazendas dos dois lados. Às vezes chovia, às vezes parava de chover, e me lembrei do livro Deuses Americanos, de Neil Gaiman. Embora tenha lido quando tinha 18 anos, a paisagem me fez lembrar imediatamente do livro. Foi então que, em meio às nossas conversas, peguei o celular para filmar um pouco. Si Gung comentou que, por mais que eu filmasse, não conseguiria capturar o que de fato estávamos vendo e vivendo naquele momento. Dentre tantos tópicos, um que foi muito presente durante todo o final de semana foi a importância de se manter no presente e saber apreciar o momento.
— "Quer provar esse bolo?" — convidou Si Gung durante uma parada no Restaurante Vó Belmira. Eu devorava meu lanche, mas o bolo estava tão bom que me fez parar por alguns segundos.
— "Bom, né?" — perguntou ele, sorrindo.
On the second day, we woke up early to go to his family’s farm. His wife went to the back seat and slept a little longer, which allowed us to have a conversation in the front seats about various topics. The road from Brasília to Alto Paraíso was stunning: a sky full of heavy clouds, with characteristic vegetation or farmland on both sides. Sometimes it rained, sometimes it stopped, and I immediately thought of the book American Gods by Neil Gaiman. Although I had read it when I was 18, the landscape reminded me of the book straight away. It was then that, in the middle of our conversation, I took out my phone to film a little. Si Gung commented that, no matter how much I filmed, I wouldn't be able to capture what we were truly seeing and experiencing in that moment. Among the many topics discussed, one that was present throughout the whole weekend was the importance of staying in the present and learning to appreciate the moment.
— "Would you like to try this cake?" — Si Gung asked during a stop at the Vó Belmira Restaurant. I was devouring my snack, but the cake was so good it made me stop for a few seconds.
— "Good, isn't it?" — he asked, smiling.
Fiquei muito tocado também pela animação da esposa do Si Gung em gentilmente apresentar a região para mim e o namorado de sua filha, já que estávamos visitando o local pela primeira vez. Andamos tanto que, em determinado momento, acabei perguntando ao Si Gung: "Sempre que vem alguém novo aqui, o senhor faz esse percurso todo?" Ele sorriu e teria dito, rindo: "Às vezes eu espero no carro." No terceiro dia, fomos a um local privado no qual Si Gung me ofereceu seu equipamento para que eu pudesse nadar. Estava preocupado em usar o equipamento dele ou com o horário de ir embora. — "Vai nadando... Vai até lá... Pode ir que esse colete é muito bom..." — disse ele enquanto sua esposa gentilmente me filmava a meu pedido para registrar o momento. — "Se mistura com a água..." — orientou ele. Finalmente, eu relaxei, e por alguns minutos não senti a necessidade de pensar muitos passos à frente ou de estar muito alerta. Depois de um tempo, voltei à margem. Si Gung parecia animado ao constatar que eu havia aproveitado o momento.
Acontece que, por mais que tentemos, ou nos alinhamos por completo, ou nossos pontos a melhorar sempre acabam vazando. Por isso, na última noite, na companhia de Si Gung, fiz uma série de perguntas a ele sobre temas relacionados ao Programa de Salvaguarda. Mais tarde, ainda naquela noite, ele comentou: — "A maneira como você faz as perguntas não tem sutileza... Você força muito... Sempre forçando..." — Eu havia passado três dias para chegar a um tema relevante, mas aqui, Si Gung apontou a maneira pela qual eu fazia perguntas sem criar as condições necessárias para tal.
I was also deeply touched by the enthusiasm of Si Gung’s wife in kindly showing us the region, as it was the first time for me and her daughter’s boyfriend visiting the area. We walked so much that, at one point, I ended up asking Si Gung: "Do you always make this whole trip when someone new comes here?" He smiled and, laughing, would have said: "Sometimes I wait in the car." On the third day, we went to a private location where Si Gung offered me his equipment so I could swim. I was concerned about using his gear or the time to leave. — "Just swim... Go all the way over there... You can go, this vest is really good..." — he said, while his wife kindly filmed me at my request to capture the moment. — "Blend with the water..." — he said. Finally, I relaxed, and for a few minutes, I didn’t feel the need to think many steps ahead or be overly alert. After a while, I returned to the shore. Si Gung seemed pleased to see that I had truly enjoyed the moment.
The thing is, no matter how much we try, either we align ourselves completely, or our areas for improvement always end up leaking through. That’s why, on the last night, in the company of Si Gung, I asked him a series of questions on topics related to the Safeguard Programme. Later, still that evening, he commented: — "The way you ask questions lacks subtlety... You push too much... Always pushing..." — I had spent three days getting to a relevant topic, but here, Si Gung pointed out the way I asked questions without creating the necessary conditions for that.
Por isso, ao receber o convite do Rafael Carvalheira para tomar um café e caminhar no Aterro, vesti a camisa que o Si Gung me presenteou (foto) assim que cheguei à fazenda. Enquanto usava a camisa, tentava lembrar de estar presente no momento, mas confesso que foi difícil. A hospitalidade do Rafael é sempre incrível, mas ainda tenho muito a melhorar.
Sobre os dias com o Si Gung, me pergunto o quão cansativo foi para ele. — "Eu vejo que você quer aprender, mas precisa melhorar a sua maneira de perguntar" — essa foi uma frase que me trouxe uma grande tomada de consciência, porque, muitas vezes, por mais que uma pergunta seja simples e honesta, a maneira como ela é feita pode ter um efeito negativo.
No último dia, sentado com ele em sua residência, poucas horas antes do meu voo de volta para São Paulo, comentei com ele, entre tantas reflexões, que, na minha concepção, havia deixado minha natureza sobrepor o que a situação pedia em vários momentos, ao ponto de não saber o que fazer. Por ser tímido e introvertido, se não tiver um propósito muito claro, é fácil ficar calado. Comentei que isso me fez refletir sobre o quanto até hoje havia me submetido à natureza do Sistema ou me sobreposto a ela. — "São 25 anos lidando com as coisas do mesmo jeito, isso é bem frustrante" — disse ao final. Si Gung então comentou: — "Você pode desistir se quiser..."
Therefore, when I received the invitation from Rafael Carvalheira to have a coffee and walk at the Aterro in Rio, I wore the shirt that Si Gung had gifted me (photo) as soon as I arrived at the farm. While wearing the shirt, I tried to remind myself to be present in the moment, but I confess it was difficult. Rafael's hospitality is always incredible, but I still have a lot to improve.
Reflecting on the days with Si Gung, I wonder how tiring it was for him. — "I see that you want to learn, but you need to improve the way you ask" — this was a phrase that brought a significant awareness to me, because, often, even if a question is simple and honest, the way it’s asked can have a negative effect.
On the last day, sitting with him in his home, just a few hours before my flight back to São Paulo, I shared with him, among many reflections, that, in my view, I had allowed my nature to override what the situation required at several points, to the point where I didn’t know what to do. Being shy and introverted, if I don’t have a very clear purpose, it’s easy for me to remain silent. I mentioned that this made me reflect on how, until today, I had either submitted to or overridden the nature of the System. — "It’s been 25 years handling things the same way, and it’s quite frustrating" — I said in the end. Si Gung then commented: — "You can give up if you want..."