segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Back at the museum that Moy Yat visited in São Paulo


"...Hoje é o primeiro dia da minha segunda viagem ao Brasil. Estou muito feliz por estar aqui neste museu. Anteriormente, eu pensava que um museu era um lugar destinado apenas a guardar grandes coisas relacionadas à autenticidade, para que as pessoas pudessem olhar e se lembrar delas. Assim, isso me lembra que eu mesmo, minha teoria, assim como vocês, também farão parte de um museu, o Museu Ving Tsun Kung Fu 詠春. Também acredito que apenas a verdade pode durar para sempre, já que as pessoas quererão conhecê-la mesmo depois de centenas de anos. Se o Ving Tsun Kung Fu não fosse tão bom quanto os itens deste museu, não poderia ser apresentado aqui..." (Patriarca Moy Yat - Museu do Ipiranga, São Paulo, 1992)

 "...Today is the first day of my second trip to Brazil. I’m very happy to be here in this museum. Previously, I thought that a museum was place meant only to keep great things related to authenticity, so people could look at and be reminded of. Thereby, it reminds me that myself, my theory, as well as yourselves will also be part of a museum, the Ving Tsun Kung Fu 詠春 Museum.I also believe that only the truth can last forever, since people will want to know about it even after hundreds of years. If Ving Tsun Kung Fu was not as good as the items in this museum, it couldn’t be presented here..." (Patriarch Moy Yat - Ipiranga Museum , Sao Paulo, 1992)

Foto de reportagem sobre o Restaurante Hung Bin exposta no próprio restaurante. 
O Patriarca Moy Yat esteve lá em uma de suas visitas ao Brasil.

Photograph of a newspaper report about Hung Bin Restaurant displayed in the restaurant itself. 
Patriarch Moy Yat visited it during one of his trips to Brazil.


Geralmente, por volta das 12h ou 13h, é o horário em que as atividades do Instituto Moy Yat cessam para que Si Gung pegue seus pais em casa e os leve para almoçar onde desejarem. Normalmente, Si Gung já tem uma ou duas sugestões em mente. Saímos do Instituto e Si Gung costuma tocar em algum ponto relevante das atividades que tivemos no período da manhã ou dar continuidade aos assuntos abordados no café. Quando chegamos ao prédio dos seus pais, algo engraçado costuma acontecer. Geralmente, o assunto acaba sincronizado com o carro embicando no portão, mas como este demora a abrir, Si Gung costuma dizer: "Por isso que..." — é o tempo dele para fazer uma última ressalva. Então, já dentro da garagem, ele me passa as chaves do carro dos seus pais enquanto vai buscá-los em seu apartamento. O carro sempre parece bem maior do que é, então levo uns minutos para fazer a manobra, de maneira a não arriscar arranhar o carro. É o tempo de Si Gung aparecer trazendo sua mãe empurrando sua cadeira de rodas. Ela sempre está com um semblante satisfeito nesses momentos, assim como seu pai. Si Gung então cria um cenário propício para sua mãe fazer um pequeno exercício de levantar-se e sentar-se no carro. Depois, ele solta a cadeira, eu dobro-a e guardo na mala. Nesse meio tempo, seu pai já está sentado dentro do carro. — "Querem ir ao Hung Bin?" — Si Gung brinca o tempo todo com seus pais durante toda a viagem, seja para qual restaurante for. Seus pais ficam rindo das brincadeiras que faz. Nesse dia em especial, o Si Suk Morioka e seu filho seguiam o nosso carro. Sem pressa, Si Gung costuma dar voltas por bairros que fazem parte de sua história. Passamos por associações e dojos onde ele praticou; às vezes passamos por alguma rua onde moraram, em outros momentos por alguma escola onde ele estudou. — "Lembra que meu amigo tal morava aqui?" — pergunta Si Gung aos pais. São histórias que às vezes remontam cerca de 50 anos atrás em São Paulo. Para mim, fica o divertido exercício de imaginar aquelas mesmas ruas bucólicas nas décadas de 60 e 70. Apesar das dificuldades, devia ser uma época de grandes aventuras, sem dúvidas. — "...Eu vinha correr todos os dias nessa praça, Thiago..." — disse Si Gung, referindo-se a uma singela pracinha, centralizando um emaranhado de ruas que lembravam uma página ou duas de alguma revistinha do Mauricio de Souza. — "...Eu vinha todos os dias treinar aqui..." — completou ele. — "...Quantos anos o senhor tinha?" — Ele parou por dois ou três segundos para pensar, e acredito que tenha dito 17. Dá para imaginar? Realmente parece uma época mais romântica e inocente das artes marciais no Brasil.

Usually around 12 p.m. or 1 p.m., the activities at the Moy Yat Institute come to a halt so that Si Gung can pick up his parents from their home and take them to lunch wherever they wish. Si Gung generally has one or two suggestions in mind. We leave the Institute, and Si Gung often touches upon some relevant point from the morning’s activities or continues the discussions from the coffee break. When we arrive at his parents' building, something amusing tends to happen. The conversation often synchronises with the car manoeuvring into the gate, but as it takes a while to open, Si Gung usually says, "That's why..." — it's his moment to make a final remark. Then, once inside the garage, he hands me the keys to his parents' car while he goes to fetch them from their apartment. The car always seems much larger than it is, so it takes me a few minutes to manoeuvre it without risking scratching it. This is the time for Si Gung to appear, bringing his mother in her wheelchair. She always looks quite content at these moments, as does his father. Si Gung then sets up a situation for his mother to do a small exercise of getting in and out of the car. After that, he releases the wheelchair, I fold it up and store it in the boot. By this time, his father is already seated in the car. — "Shall we go to Hung Bin?" — Si Gung playfully interacts with his parents throughout the journey, regardless of which restaurant we’re heading to. His parents laugh at his jokes. On this particular day, Si Suk Morioka and his son were following our car. Without hurry, Si Gung likes to drive through neighbourhoods that are part of his history. We pass by associations and dojos where he trained; sometimes we pass by streets where they lived, and other times by schools he attended. — "Do you remember that my friend so-and-so lived here?" — Si Gung asks his parents. These are stories that sometimes go back about 50 years in São Paulo. For me, it’s a delightful exercise to imagine those same picturesque streets from the 1960s and 70s. Despite the difficulties, it must have been a time of high adventures, without a doubt. — "...I used to come here to run every day, Thiago..." — Si Gung said, referring to a modest little square surrounded by a maze of streets that resembled a page or two from a Maurício de Sousa comic. — "...I used to come here to train every day..." — he added. — "...How old were you, sir?" — He paused for two or three seconds to think, and I believe he said 17. Can you imagine? It really seems like a more romantic and innocent era for martial arts in Brazil.

Chegando ao Hung Bin, a proprietária reconheceu Si Gung e sua família e ficou muito impressionada com a vitalidade de seus pais. Ela ficou realmente impactada e passou alguns minutos em pé conversando conosco próximo à nossa mesa. Falou sobre sua mãe, alguns aspectos de genealogia e contou sobre a tradição da "carne de sessenta e seis anos". O sotaque dela lembrava muito o da minha professora, então, além dos dados culturais e da maneira energética com a qual ela compartilhava suas histórias, eu também pude apreciar a sonoridade do seu sotaque, que tinha uma familiaridade para mim.
Nesta ocasião, eu fui o responsável por pedir a comida e pedi mais do que deveria. A mãe de Si Gung apenas comentou: "Veio bastante". Seria impossível comer tudo, e eu simplesmente aceitei o erro. Si Gung contou sobre quando o Patriarca Moy Yat esteve naquele restaurante. Pagamos a conta e nos dirigimos para o próximo compromisso.

Upon arriving at Hung Bin, the owner recognised Si Gung and his family and was greatly impressed by the vitality of his parents. She was truly taken aback and spent a few minutes standing near our table, chatting with us. She spoke about her mother, some aspects of genealogy, and shared the tradition of the "sixty-six-year-old meat." Her accent was very similar to my teacher’s, so in addition to the cultural details and the energetic way she shared her stories, I also appreciated the sound of her accent, which had a familiarity for me.
On this occasion, I was responsible for ordering the food, and I ordered more than necessary. Si Gung’s mother simply remarked, "There’s plenty." It would have been impossible to eat everything, and I just accepted the mistake. Si Gung mentioned when Patriarch Moy Yat had visited that restaurant. We paid the bill and headed to the next appointment.

(Si Gung e seus pais no Museu do Ipiranga, onde esteve o Patriarca Moy Yat em '92)
(Si Gung and his parents in Ipiranga Museum entrance,where Patriarch Moy Yat visited in '92)

"...Hoje estou aqui, então gostaria de apresentar o Sistema Ving Tsun e também lembrar o que aconteceu aqui hoje, e o que aconteceu fora daqui em relação ao Ving Tsun Kung Fu. Aqui em São Paulo, temos o Ving Tsun Kung Fu desde dois anos atrás, que chegou e cresceu muito rapidamente. Quero dizer, mais rápido do que outros sistemas. Isso também me diz que o Ving Tsun Kung Fu aqui tem suas raízes na verdade, caso contrário, nunca teria crescido, ou não teria crescido tão rápido quanto tem.
Inicialmente, eu fui a pessoa que plantou a semente do Ving Tsun aqui. Agora eu já vejo uma pequena árvore, enquanto vocês todos são os galhos, tornando a árvore cada vez maior. Espero que tenhamos mais alguns galhos em diferentes áreas. Eu mesmo, como jardineiro, não terei que vir com a frequência que planejei, porque todas as árvores de Ving Tsun aqui poderão crescer sozinhas, uma vez que tenham as condições certas para isso..." (Patriarca Moy Yat - Museu do Ipiranga, São Paulo, 1992)

"...Today I’m here, so, I would like to introduce the Ving Tsun System, and also remind you what happened here today, and what happened outside of here concerning Ving Tsun Kung Fu. Here in São Paulo, we have Ving Tsun Kung Fu since two years ago, which came here and grew very quickly. I mean, quicker than other systems. It also tells me that the Ving Tsun Kung Fu here has its roots on the truth, otherwise, it would have never grown, or it would have not grown as fast as it has.
Initially, I was the person who planted the seed fo Ving Tsun here. Now I already see a small tree, while you all are the branches, making the tree bigger and bigger. Hopefully, we will have a few more branches in different areas. Myself, as the gardener, won’t have to come as often as I planned to, because all the Ving Tsun trees here could grow by themselves, since they have the right conditions to grow..."(Patriarch Moy Yat - Ipiranga Museum , Sao Paulo, 1992)

Andamos com muita tranquilidade por todo o museu. Si Gung pediu que eu acompanhasse seu pai enquanto ele ia à frente com sua mãe. Nada era dito, nenhuma orientação era dada. Apenas em um singelo momento, quando eu entrava em uma sala da qual Si Gung estava saindo, ele comentou que naquele recinto era possível entender a lógica da genealogia, pelo que entendi.
Parecia o dia perfeito. Eu gosto muito de São Paulo, e naquela tarde fazia 11ºC, com sensação térmica de 9ºC — o clima perfeito. Além disso, passeávamos com tranquilidade por um local histórico onde eu nunca estivera. Histórico não apenas por ser um museu, mas por ter abrigado uma visita do Patriarca. — "...A maneira, o jeito com o qual eu ensino é o de um artista puro. Nunca falamos sobre dinheiro. Como hoje, vocês estão aqui, mas não havia ninguém lá fora para cobrar qualquer quantia. Eu ensino o sistema a vocês com amor..." — disse o Patriarca durante sua visita ao museu.
Passamos então por uma exposição dedicada aos imigrantes japoneses e ficamos todos ali juntos apreciando as fotos. Mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto tentávamos fugir do engarrafamento com Si Gung em seu carro em direção ao Shopping Morumbi, ele voltou a um assunto que havia trazido para ele mais cedo. Pedi a ele que compartilhasse se, em outros momentos de sua carreira, as pessoas também o aconselhavam a pegar mais leve com sua carga de trabalho ou dedicação ao Ving Tsun, sugerindo que buscasse um equilíbrio. Parados em uma rua qualquer, Si Gung teria dito: — "...Você viu lá as fotos no museu? Minha mãe viveu aquilo. Por isso, para ela e para o meu pai, não existe essa impressão de 'trabalhar demais'... Você sabe que você não trabalha tanto assim, por isso você deve procurar estar com pessoas na mesma frequência que você..." — Teria dito ele e prosseguiu: — "...Trabalhar demais em relação a quem?"
A Vida Kung Fu com Si Gung sempre se amarra no final do dia, ou dois ou três dias depois. Ainda que estejamos em silêncio, sei que, de alguma maneira, algum acontecimento poderá ser repassado mais tarde. Ou, talvez, entendendo minha inabilidade de comunicação, é comum o Si Gung entrar em algum assunto relevante quando estamos em momentos assim.
"...Quando as pessoas perguntarem onde você esteve hoje, você dirá que esteve ouvindo Moy Yat, mas não dirá por quanto tempo. Você só dirá que estava assistindo à palestra de Moy Yat no museu. Isso é tudo. Você não precisa repetir cada palavra que saiu da minha boca, porque a natureza do Ving Tsun é muito simples e direta..." (Patriarca Moy Yat, Museu do Ipiranga, 1992)


We walked very calmly around the museum. Si Gung asked me to accompany his father while he went ahead with his mother. Nothing was said, and no guidance was given. Only at a brief moment, when I was entering a room that Si Gung was leaving, did he comment that in that space it was possible to understand the logic of genealogy, as far as I understood.
It seemed like the perfect day. I really like São Paulo, and that afternoon it was 11°C with a feel-like temperature of 9°C — the perfect weather. Moreover, we strolled leisurely through a historic location where I had never been before. Historic not just because it was a museum, but because it had hosted a visit from the Patriarch. — "...The way, the method by which I teach is that of a pure artist. We never talk about money. Like today, you’re here, but there was no one outside to charge you any money. I teach the system to you with love..." — said the Patriarch during his visit to the museum.
We then went through an exhibition dedicated to Japanese immigrants and all stood together, appreciating the photos. Later that same day, while trying to avoid the traffic jam with Si Gung in his car heading towards Morumbi Mall, he revisited a topic he had brought up earlier. I asked him to share if, at other times in his career, people had also advised him to ease up on his workload or dedication to Ving Tsun, suggesting he seek a balance. Stopped at some random street, Si Gung said: — "...Did you see the photos in the museum? My mother lived through that. For her and my father, there is no such thing as 'working too much'... You know that you don't work that much, so you should look to be with people who are on the same wavelength as you..." — he said and continued: — "...Work too much in relation to whom?"
The Kung Fu life with Si Gung always ties together at the end of the day, or two or three days later. Even if we are silent, I know that somehow an event might be discussed later. Or, perhaps, understanding my communication shortcomings, it is common for Si Gung to delve into a relevant topic during such moments.
"...When people ask where you have been today, you will say that you have been listening to Moy Yat, but you won’t say for how long. You will only say that you were attending Moy Yat’s lecture at the museum. That’s it. You don’t have to repeat every single word that came from my mouth, because the nature of Ving Tsun is very simple and straightforward..." (Patriarch Moy Yat, Ipiranga Museum, 1992)



A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHO
Master Thiago Pereira
Leader of  Moy Fat Lei Family
moyfatlei.myvt@gmail.com
@thiago_moy