terça-feira, 20 de agosto de 2024

The Pin of the Moy Yat Sang Family: An Essay


Si Gung costuma falar da importância de estar com seu Si Fu em seus diferentes momentos de maturidade. Ele também ressalta que a relação discipular é medida em décadas e comenta que, se por um lado você deve respeitar aqueles que vieram antes, pois essas pessoas estavam atuando em uma década em que você ainda não estava na Família Kung Fu, por muitas vezes esse mesmo Si Hing deveria considerar a atuação do irmão Kung Fu mais novo, que pode estar atuando em uma década na qual o primeiro esteja mais distante.
Assim sendo, entre o primeiro Ato Cerimonial da minha Família Kung Fu em 9 de abril de 2016 e os tempos atuais, pude repensar muitas coisas. Uma delas foi quando, nessa primeira cerimônia, em um gesto de carinho, retirei o Pin do Grande Clã Moy Yat Sang (foto acima) do "Tong Jong" que usava e o coloquei na camisa do meu To Dai mais antigo que estava sendo admitido em minha Família naquela oportunidade. Eu tinha o Pin como um adereço, mas não compreendia por que ele tinha os ideogramas da Família Moy Yat Sang e também não sabia nada a respeito da razão pela qual antes usávamos o Pin da Família Moy Yat e depois passamos a usar o da Família Moy Yat Sang. Então, eu simplesmente dei a ele, como alguém que dá um presente para tornar ainda mais inesquecível um momento por si só já emblemático. Diferente daqueles tempos de 2016, muita coisa já aconteceu e hoje me é possível ter um entendimento mais apropriado a respeito desse item que, muito além de um adereço, pode-se dizer que é uma verdadeira honra portá-lo, em função de como ele surgiu.

Si Gung often speaks about the importance of being with your Si Fu through his various stages of maturity. He also emphasises that the discipular relationship is measured in decades and notes that, on the one hand, you should respect those who came before you, as they were active in a decade when you were not yet part of the Kung Fu Family. On the other hand, the same Si Hing should consider the contributions of the younger Kung Fu brother, who might be active in a decade when the former is more distant.
Therefore, between the first Ceremonial Act of my Kung Fu Family on April,9.2016 and the present time, I have had the opportunity to rethink many things. One such reflection was on the occasion of that first ceremony, when, as a gesture of affection, I removed the Pin of the Grand Moy Yat Sang Clan (see photo above) from the "Tong Jong" I was wearing and placed it on the shirt of my oldest To Dai, who was being admitted into my Family at that time. I saw the Pin as merely an accessory but did not understand why it had the ideograms of the Moy Yat Sang Family, nor did I know why we had previously used the Pin of the Moy Yat Family and later began using the Pin of the Moy Yat Sang Family. So, I simply gave it to him as one might give a gift to make an already emblematic moment even more memorable. Unlike those times in 2016, much has happened since then, and today I have a more appropriate understanding of this item, which, far beyond being just an accessory, can be said to be a true honour to wear, due to its origins.



Certa vez, Si Gung estava voltando de Angra dos Reis, uma cidade do estado do Rio de Janeiro, com o Mestre Fabio Gomes. Naquela ocasião, ele fez contato comigo e me convidou para passar a tarde com eles no aeroporto Santos Dumont até o horário do voo. Prontamente reorganizei minha agenda e dois discípulos me acompanharam na ocasião (foto acima). Naquela tarde, nos foi possível conversar sobre muitas coisas, dentre elas a razão do meu "Jiu Paai" ostentar o "logo" da Família Moy Yat Sang (mesma da 1ª foto). Pensando agora, me parece até mesmo estranho que nunca tenha me ocorrido ir atrás dessa informação. Acredito que esquecemos da responsabilidade da nossa função de "Si Fu" em detalhes como esse, que, assim como todos os demais, exige um aprofundamento para um melhor entendimento.
Si Gung comentou que certa vez recebeu uma ligação do Sr. Michael Wong em nome de sua Si Mo, a Sra. Helen Moy, que, dentre outras informações, ofertou, juntamente com uma única outra Família do Clã Moy Yat, a ter seu próprio Pin. Desta forma, ela mesma encomendou uma quantidade considerável com o Professor Kwon Chi Nam; esses são os Pins que os membros do Grande Clã Moy Yat Sang usam, e essa seria a razão de Si Gung usar um logo diferente da sua própria Família Kung Fu de origem: uma ligação de sua Si Mo, e não um desejo pessoal. - "... Você observa que o nosso Pin tem uma estética própria, bem chinesa..." - comentou ele sobre a qualidade estética do Pin e prosseguiu - "... A pessoa olha e sabe que é chinês... Por isso fico pensando quando acabar..." - comentou ele sorrindo. Perguntei então a Si Gung sobre como se dá a entrega do Pin, e ele falou que faz questão de entregá-lo sem cobrar nada. - "... E se a pessoa perder, ela pode me pedir outro que eu darei novamente..." - concluiu ele. Por isso também é possível ver Si Gung em algumas ocasiões perguntando a alguém: "Cadê o seu Pin? Você não tem Pin?" - Ele então costuma tirar um Pin do bolso e colocá-lo na lapela do terno da pessoa.

Once, Si Gung was returning from Angra dos Reis, a city in the state of Rio de Janeiro, with Master Fabio Gomes. On that occasion, he got in touch with me and invited me to spend the afternoon with them at Santos Dumont Airport until the flight time. I promptly rearranged my schedule, and two disciples accompanied me at the time (see photo above). That afternoon, we were able to discuss many things, including the reason why my "Jiu Paai" displays the logo of the Moy Yat Sang Family (same as in the 1st photo). Thinking back now, it seems strange that it never occurred to me to seek out this information. I believe we sometimes forget the responsibility of our role as "Si Fu" in details like this, which, like all others, requires in-depth understanding.
Si Gung mentioned that he once received a call from Mr Michael Wong on behalf of his Si Mo, Mrs Helen Moy, who, among other information, offered him, along with only one other Family from the Moy Yat Clan, to have their own Pin. Thus, she herself ordered a considerable quantity from Professor Kwon Chi Nam; these are the Pins that members of the Great Moy Yat Sang Clan use, and this would be the reason Si Gung uses a different logo from his own original Kung Fu Family: a request from his Si Mo, not a personal desire. - "... You observe that our Pin has its own, very Chinese aesthetic..." - he commented on the aesthetic quality of the Pin and continued - "... People look at it and know it is Chinese... That’s why I wonder what will happen when it runs out..." - he said with a smile. I then asked Si Gung about how the Pin is presented, and he mentioned that he insists on giving it without charging anything. - "... And if someone loses it, they can ask me for another, and I will give it again..." - he concluded. That is also why it is possible to see Si Gung on some occasions asking someone: "Where is your Pin? Don’t you have a Pin?" - He then often takes a Pin out of his pocket and places it on the person’s lapel.


Desde essa conversa com Si Gung no aeroporto, decidi usar apenas o Pin do Grande Clã Moy Yat Sang em qualquer ocasião. Pois, nesse período, pude elaborar uma ideia que me ajudou muito na compreensão da minha função. Percebi a importância de me manter, enquanto Si Fu, em coincidência com a Linhagem, pois sou um guardião do Sistema Ving Tsun e não o seu dono. Muitos e muitos anos atrás, ouvi meu Si Fu fazer uma alegoria na qual, se o Sistema Ving Tsun fosse um prédio, o Si Fu seria o porteiro. Levei muito a sério o que ele falou naquela ocasião, e acredito que é isso que um guardião faz: ele guarda. O que já é muita coisa.
Então, por mais que um discípulo meu desejasse que nossa Família tivesse seu próprio Pin, penso em uma entrevista que um Si Suk meu citou recentemente: ele dizia que um comandante de expedições para a Antártica, nas quais a margem de erro é zero, teria dito que, para fazer parte de uma expedição como essa, é importante entender que a pessoa terá direitos, mas em primeiro lugar vem o dever, e quem não entender isso não pode estar dentro. Com isso, entendo que, nos grandes e pequenos detalhes, quando eu não coincido com a Linhagem, no futuro eu posso acabar fazendo com que meus discípulos, que também se tornarem Si Fu, enfrentem uma escolha muito cruel: ter que escolher entre eu que sou Si Fu deles, e a Linhagem. Não uma única vez, mas várias. E eu não posso fazer isso com eles.

Since that conversation with Si Gung at the airport, I decided to use only the Pin of the Grand Moy Yat Sang Clan on any occasion. During this period, I was able to develop an idea that greatly helped me understand my role. I realised the importance of maintaining, as a Si Fu, alignment with the Lineage, as I am a guardian of the Ving Tsun System, not its owner. Many years ago, I heard my Si Fu make an analogy in which, if the Ving Tsun System were a building, the Si Fu would be the doorman. I took very seriously what he said at that time, and I believe that is precisely what a guardian does: he guards. Which is already a significant role.
Therefore, even though one of my disciples might wish that our Family had its own Pin, I think of an interview that a Si Suk of mine mentioned recently: he said that a commander of expeditions to Antarctica, where the margin for error is zero, would have stated that, to be part of such an expedition, it is important to understand that a person will have rights, but first and foremost comes duty, and anyone who does not understand this cannot be included. With this in mind, I understand that, in both major and minor details, if I deviate from the Lineage, in the future I might end up making my disciples, who will also become Si Fu, face a very cruel choice: having to choose between me as their Si Fu and the Lineage. Not just once, but several times. And I cant do that with them.


A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHO
Master Thiago Pereira
Leader of  Moy Fat Lei Family
moyfatlei.myvt@gmail.com
@thiago_moy 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Back at the museum that Moy Yat visited in São Paulo


"...Hoje é o primeiro dia da minha segunda viagem ao Brasil. Estou muito feliz por estar aqui neste museu. Anteriormente, eu pensava que um museu era um lugar destinado apenas a guardar grandes coisas relacionadas à autenticidade, para que as pessoas pudessem olhar e se lembrar delas. Assim, isso me lembra que eu mesmo, minha teoria, assim como vocês, também farão parte de um museu, o Museu Ving Tsun Kung Fu 詠春. Também acredito que apenas a verdade pode durar para sempre, já que as pessoas quererão conhecê-la mesmo depois de centenas de anos. Se o Ving Tsun Kung Fu não fosse tão bom quanto os itens deste museu, não poderia ser apresentado aqui..." (Patriarca Moy Yat - Museu do Ipiranga, São Paulo, 1992)

 "...Today is the first day of my second trip to Brazil. I’m very happy to be here in this museum. Previously, I thought that a museum was place meant only to keep great things related to authenticity, so people could look at and be reminded of. Thereby, it reminds me that myself, my theory, as well as yourselves will also be part of a museum, the Ving Tsun Kung Fu 詠春 Museum.I also believe that only the truth can last forever, since people will want to know about it even after hundreds of years. If Ving Tsun Kung Fu was not as good as the items in this museum, it couldn’t be presented here..." (Patriarch Moy Yat - Ipiranga Museum , Sao Paulo, 1992)

Foto de reportagem sobre o Restaurante Hung Bin exposta no próprio restaurante. 
O Patriarca Moy Yat esteve lá em uma de suas visitas ao Brasil.

Photograph of a newspaper report about Hung Bin Restaurant displayed in the restaurant itself. 
Patriarch Moy Yat visited it during one of his trips to Brazil.


Geralmente, por volta das 12h ou 13h, é o horário em que as atividades do Instituto Moy Yat cessam para que Si Gung pegue seus pais em casa e os leve para almoçar onde desejarem. Normalmente, Si Gung já tem uma ou duas sugestões em mente. Saímos do Instituto e Si Gung costuma tocar em algum ponto relevante das atividades que tivemos no período da manhã ou dar continuidade aos assuntos abordados no café. Quando chegamos ao prédio dos seus pais, algo engraçado costuma acontecer. Geralmente, o assunto acaba sincronizado com o carro embicando no portão, mas como este demora a abrir, Si Gung costuma dizer: "Por isso que..." — é o tempo dele para fazer uma última ressalva. Então, já dentro da garagem, ele me passa as chaves do carro dos seus pais enquanto vai buscá-los em seu apartamento. O carro sempre parece bem maior do que é, então levo uns minutos para fazer a manobra, de maneira a não arriscar arranhar o carro. É o tempo de Si Gung aparecer trazendo sua mãe empurrando sua cadeira de rodas. Ela sempre está com um semblante satisfeito nesses momentos, assim como seu pai. Si Gung então cria um cenário propício para sua mãe fazer um pequeno exercício de levantar-se e sentar-se no carro. Depois, ele solta a cadeira, eu dobro-a e guardo na mala. Nesse meio tempo, seu pai já está sentado dentro do carro. — "Querem ir ao Hung Bin?" — Si Gung brinca o tempo todo com seus pais durante toda a viagem, seja para qual restaurante for. Seus pais ficam rindo das brincadeiras que faz. Nesse dia em especial, o Si Suk Morioka e seu filho seguiam o nosso carro. Sem pressa, Si Gung costuma dar voltas por bairros que fazem parte de sua história. Passamos por associações e dojos onde ele praticou; às vezes passamos por alguma rua onde moraram, em outros momentos por alguma escola onde ele estudou. — "Lembra que meu amigo tal morava aqui?" — pergunta Si Gung aos pais. São histórias que às vezes remontam cerca de 50 anos atrás em São Paulo. Para mim, fica o divertido exercício de imaginar aquelas mesmas ruas bucólicas nas décadas de 60 e 70. Apesar das dificuldades, devia ser uma época de grandes aventuras, sem dúvidas. — "...Eu vinha correr todos os dias nessa praça, Thiago..." — disse Si Gung, referindo-se a uma singela pracinha, centralizando um emaranhado de ruas que lembravam uma página ou duas de alguma revistinha do Mauricio de Souza. — "...Eu vinha todos os dias treinar aqui..." — completou ele. — "...Quantos anos o senhor tinha?" — Ele parou por dois ou três segundos para pensar, e acredito que tenha dito 17. Dá para imaginar? Realmente parece uma época mais romântica e inocente das artes marciais no Brasil.

Usually around 12 p.m. or 1 p.m., the activities at the Moy Yat Institute come to a halt so that Si Gung can pick up his parents from their home and take them to lunch wherever they wish. Si Gung generally has one or two suggestions in mind. We leave the Institute, and Si Gung often touches upon some relevant point from the morning’s activities or continues the discussions from the coffee break. When we arrive at his parents' building, something amusing tends to happen. The conversation often synchronises with the car manoeuvring into the gate, but as it takes a while to open, Si Gung usually says, "That's why..." — it's his moment to make a final remark. Then, once inside the garage, he hands me the keys to his parents' car while he goes to fetch them from their apartment. The car always seems much larger than it is, so it takes me a few minutes to manoeuvre it without risking scratching it. This is the time for Si Gung to appear, bringing his mother in her wheelchair. She always looks quite content at these moments, as does his father. Si Gung then sets up a situation for his mother to do a small exercise of getting in and out of the car. After that, he releases the wheelchair, I fold it up and store it in the boot. By this time, his father is already seated in the car. — "Shall we go to Hung Bin?" — Si Gung playfully interacts with his parents throughout the journey, regardless of which restaurant we’re heading to. His parents laugh at his jokes. On this particular day, Si Suk Morioka and his son were following our car. Without hurry, Si Gung likes to drive through neighbourhoods that are part of his history. We pass by associations and dojos where he trained; sometimes we pass by streets where they lived, and other times by schools he attended. — "Do you remember that my friend so-and-so lived here?" — Si Gung asks his parents. These are stories that sometimes go back about 50 years in São Paulo. For me, it’s a delightful exercise to imagine those same picturesque streets from the 1960s and 70s. Despite the difficulties, it must have been a time of high adventures, without a doubt. — "...I used to come here to run every day, Thiago..." — Si Gung said, referring to a modest little square surrounded by a maze of streets that resembled a page or two from a Maurício de Sousa comic. — "...I used to come here to train every day..." — he added. — "...How old were you, sir?" — He paused for two or three seconds to think, and I believe he said 17. Can you imagine? It really seems like a more romantic and innocent era for martial arts in Brazil.

Chegando ao Hung Bin, a proprietária reconheceu Si Gung e sua família e ficou muito impressionada com a vitalidade de seus pais. Ela ficou realmente impactada e passou alguns minutos em pé conversando conosco próximo à nossa mesa. Falou sobre sua mãe, alguns aspectos de genealogia e contou sobre a tradição da "carne de sessenta e seis anos". O sotaque dela lembrava muito o da minha professora, então, além dos dados culturais e da maneira energética com a qual ela compartilhava suas histórias, eu também pude apreciar a sonoridade do seu sotaque, que tinha uma familiaridade para mim.
Nesta ocasião, eu fui o responsável por pedir a comida e pedi mais do que deveria. A mãe de Si Gung apenas comentou: "Veio bastante". Seria impossível comer tudo, e eu simplesmente aceitei o erro. Si Gung contou sobre quando o Patriarca Moy Yat esteve naquele restaurante. Pagamos a conta e nos dirigimos para o próximo compromisso.

Upon arriving at Hung Bin, the owner recognised Si Gung and his family and was greatly impressed by the vitality of his parents. She was truly taken aback and spent a few minutes standing near our table, chatting with us. She spoke about her mother, some aspects of genealogy, and shared the tradition of the "sixty-six-year-old meat." Her accent was very similar to my teacher’s, so in addition to the cultural details and the energetic way she shared her stories, I also appreciated the sound of her accent, which had a familiarity for me.
On this occasion, I was responsible for ordering the food, and I ordered more than necessary. Si Gung’s mother simply remarked, "There’s plenty." It would have been impossible to eat everything, and I just accepted the mistake. Si Gung mentioned when Patriarch Moy Yat had visited that restaurant. We paid the bill and headed to the next appointment.

(Si Gung e seus pais no Museu do Ipiranga, onde esteve o Patriarca Moy Yat em '92)
(Si Gung and his parents in Ipiranga Museum entrance,where Patriarch Moy Yat visited in '92)

"...Hoje estou aqui, então gostaria de apresentar o Sistema Ving Tsun e também lembrar o que aconteceu aqui hoje, e o que aconteceu fora daqui em relação ao Ving Tsun Kung Fu. Aqui em São Paulo, temos o Ving Tsun Kung Fu desde dois anos atrás, que chegou e cresceu muito rapidamente. Quero dizer, mais rápido do que outros sistemas. Isso também me diz que o Ving Tsun Kung Fu aqui tem suas raízes na verdade, caso contrário, nunca teria crescido, ou não teria crescido tão rápido quanto tem.
Inicialmente, eu fui a pessoa que plantou a semente do Ving Tsun aqui. Agora eu já vejo uma pequena árvore, enquanto vocês todos são os galhos, tornando a árvore cada vez maior. Espero que tenhamos mais alguns galhos em diferentes áreas. Eu mesmo, como jardineiro, não terei que vir com a frequência que planejei, porque todas as árvores de Ving Tsun aqui poderão crescer sozinhas, uma vez que tenham as condições certas para isso..." (Patriarca Moy Yat - Museu do Ipiranga, São Paulo, 1992)

"...Today I’m here, so, I would like to introduce the Ving Tsun System, and also remind you what happened here today, and what happened outside of here concerning Ving Tsun Kung Fu. Here in São Paulo, we have Ving Tsun Kung Fu since two years ago, which came here and grew very quickly. I mean, quicker than other systems. It also tells me that the Ving Tsun Kung Fu here has its roots on the truth, otherwise, it would have never grown, or it would have not grown as fast as it has.
Initially, I was the person who planted the seed fo Ving Tsun here. Now I already see a small tree, while you all are the branches, making the tree bigger and bigger. Hopefully, we will have a few more branches in different areas. Myself, as the gardener, won’t have to come as often as I planned to, because all the Ving Tsun trees here could grow by themselves, since they have the right conditions to grow..."(Patriarch Moy Yat - Ipiranga Museum , Sao Paulo, 1992)

Andamos com muita tranquilidade por todo o museu. Si Gung pediu que eu acompanhasse seu pai enquanto ele ia à frente com sua mãe. Nada era dito, nenhuma orientação era dada. Apenas em um singelo momento, quando eu entrava em uma sala da qual Si Gung estava saindo, ele comentou que naquele recinto era possível entender a lógica da genealogia, pelo que entendi.
Parecia o dia perfeito. Eu gosto muito de São Paulo, e naquela tarde fazia 11ºC, com sensação térmica de 9ºC — o clima perfeito. Além disso, passeávamos com tranquilidade por um local histórico onde eu nunca estivera. Histórico não apenas por ser um museu, mas por ter abrigado uma visita do Patriarca. — "...A maneira, o jeito com o qual eu ensino é o de um artista puro. Nunca falamos sobre dinheiro. Como hoje, vocês estão aqui, mas não havia ninguém lá fora para cobrar qualquer quantia. Eu ensino o sistema a vocês com amor..." — disse o Patriarca durante sua visita ao museu.
Passamos então por uma exposição dedicada aos imigrantes japoneses e ficamos todos ali juntos apreciando as fotos. Mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto tentávamos fugir do engarrafamento com Si Gung em seu carro em direção ao Shopping Morumbi, ele voltou a um assunto que havia trazido para ele mais cedo. Pedi a ele que compartilhasse se, em outros momentos de sua carreira, as pessoas também o aconselhavam a pegar mais leve com sua carga de trabalho ou dedicação ao Ving Tsun, sugerindo que buscasse um equilíbrio. Parados em uma rua qualquer, Si Gung teria dito: — "...Você viu lá as fotos no museu? Minha mãe viveu aquilo. Por isso, para ela e para o meu pai, não existe essa impressão de 'trabalhar demais'... Você sabe que você não trabalha tanto assim, por isso você deve procurar estar com pessoas na mesma frequência que você..." — Teria dito ele e prosseguiu: — "...Trabalhar demais em relação a quem?"
A Vida Kung Fu com Si Gung sempre se amarra no final do dia, ou dois ou três dias depois. Ainda que estejamos em silêncio, sei que, de alguma maneira, algum acontecimento poderá ser repassado mais tarde. Ou, talvez, entendendo minha inabilidade de comunicação, é comum o Si Gung entrar em algum assunto relevante quando estamos em momentos assim.
"...Quando as pessoas perguntarem onde você esteve hoje, você dirá que esteve ouvindo Moy Yat, mas não dirá por quanto tempo. Você só dirá que estava assistindo à palestra de Moy Yat no museu. Isso é tudo. Você não precisa repetir cada palavra que saiu da minha boca, porque a natureza do Ving Tsun é muito simples e direta..." (Patriarca Moy Yat, Museu do Ipiranga, 1992)


We walked very calmly around the museum. Si Gung asked me to accompany his father while he went ahead with his mother. Nothing was said, and no guidance was given. Only at a brief moment, when I was entering a room that Si Gung was leaving, did he comment that in that space it was possible to understand the logic of genealogy, as far as I understood.
It seemed like the perfect day. I really like São Paulo, and that afternoon it was 11°C with a feel-like temperature of 9°C — the perfect weather. Moreover, we strolled leisurely through a historic location where I had never been before. Historic not just because it was a museum, but because it had hosted a visit from the Patriarch. — "...The way, the method by which I teach is that of a pure artist. We never talk about money. Like today, you’re here, but there was no one outside to charge you any money. I teach the system to you with love..." — said the Patriarch during his visit to the museum.
We then went through an exhibition dedicated to Japanese immigrants and all stood together, appreciating the photos. Later that same day, while trying to avoid the traffic jam with Si Gung in his car heading towards Morumbi Mall, he revisited a topic he had brought up earlier. I asked him to share if, at other times in his career, people had also advised him to ease up on his workload or dedication to Ving Tsun, suggesting he seek a balance. Stopped at some random street, Si Gung said: — "...Did you see the photos in the museum? My mother lived through that. For her and my father, there is no such thing as 'working too much'... You know that you don't work that much, so you should look to be with people who are on the same wavelength as you..." — he said and continued: — "...Work too much in relation to whom?"
The Kung Fu life with Si Gung always ties together at the end of the day, or two or three days later. Even if we are silent, I know that somehow an event might be discussed later. Or, perhaps, understanding my communication shortcomings, it is common for Si Gung to delve into a relevant topic during such moments.
"...When people ask where you have been today, you will say that you have been listening to Moy Yat, but you won’t say for how long. You will only say that you were attending Moy Yat’s lecture at the museum. That’s it. You don’t have to repeat every single word that came from my mouth, because the nature of Ving Tsun is very simple and straightforward..." (Patriarch Moy Yat, Ipiranga Museum, 1992)



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sábado, 17 de agosto de 2024

Cham Kiu and a Lot of Lack of Attention (São Paulo, 2024)

 

  • The photos today are by Raffy Carvalheira.
  • In the photos, I appear with Si Suk Morioka, although the text refers to practising with Si Suk Leonardo Pimenta.

Nunca imaginaria viver o que estou vivendo aos 40 anos de idade: a possibilidade de imergir de maneira tão intensa na Vida Kung Fu como nunca antes. Hoje, por exemplo, comecei às 4 da manhã sozinho no Instituto Moy Yat, revisando o que venho aprendendo antes de encontrar meu discípulo Lucas às 7h50 na nossa padaria de sempre. Às 8h30, chegou o Si Gung (Grão-Mestre Leo Imamura) e logo depois o Si Suk Leonardo Pimenta. O café da manhã, então, se torna um grande aprendizado, não apenas em sua camada mais superficial, que são os temas em si. A conduta adequada e a abordagem mais apropriada para tratar deles são pontuadas pelo Si Gung.
Para falar a verdade, de todas as agora já inúmeras viagens feitas para passar um tempo com Si Gung, esta é, de longe, a em que me encontro mais distraído e talvez até lerdo para as coisas mais simples possíveis. Tanto a Si Taai, a Professora Vanise Almeida, quanto o Si Gung, têm pontuado a minha intensa vontade de ser eficiente a todo momento. Nesses dias, isso tem me mostrado o quanto gasto energia tentando antecipar situações para as quais minha ajuda ou participação não foram requisitadas. Com isso, acabo por fazer movimentos que atrapalham mais do que ajudam. Acredite: desde tentar pegar a mala do Si Gung para levar para ele até o momento de entregar-lhe um Hung Baau, tudo foi feito da pior maneira possível. Obviamente, isso também se manifesta na experiência marcial.

I never imagined I would experience what I’m living at the age of 40: the opportunity to immerse myself so intensely in the Kung Fu Life as never before. Today, for example, I started at 4 a.m. alone at the Moy Yat Institute, reviewing what I have been learning before meeting my disciple Lucas at 7:50 a.m. at our usual bakery. At 8:30 a.m., Si Gung (Grandmaster Leo Imamura) arrived, followed shortly by Si Suk Leonardo Pimenta. Breakfast, then, becomes a great learning experience, not just in its most superficial layer, which is the topics themselves. The proper conduct and the most appropriate approach to address them are highlighted by Si Gung.
To be honest, of all the now numerous trips I have made to spend time with Si Gung, this is by far the one in which I feel most distracted and perhaps even slow with the simplest of tasks. Both Si Taai, Professor Vanise Almeida, and Si Gung have pointed out my intense desire to be efficient at all times. Recently, this has shown me how much energy I expend trying to anticipate situations where my help or involvement was not requested. Consequently, I end up making movements that hinder more than help. Believe me: from trying to take Si Gung’s bag to carry it for him, to handing him a Hung Baau, everything has been done in the worst possible way. Obviously, this also manifests in the martial experience.

Sentado à frente do Si Gung ainda no café da manhã, senti minha energia despencando. Eram apenas 9h da manhã e sentia minha mente com a mesma energia de um final de dia desgastante. Essa atitude mental, uma hora depois, rendeu uma boa chamada de atenção do Si Gung durante o MPA do Si Suk Leonardo Pimenta, no qual eu seria assistente. “... Você quase arranca minha mão para pegar a bolsa e agora que eu preciso de ajuda, você está aí dormindo com os braços cruzados...” — disse ele com razoável veemência. “... Você precisa pensar com minha cabeça; quando eu precisar, você já está pronto...”
As chamadas de atenção do Si Gung sempre parecem ser pedaços de uma história maior que o levam de volta à natureza da prática que você está estudando. Então, por mais que ele chame a atenção com frequência, como foi hoje, não me sinto travado por dentro. Sei que, lá na frente, tudo vai se encaixar. “... Tudo o que queremos é não usar o instinto...” — comentou ele para nós dois em um dos intervalos, sentado ao lado do bule de chá e do seu copo. E prosseguiu: “... O instinto está ali para quando deixamos passar todo o resto. Por isso a atitude mental precisa ser apropriada; se não, você atrapalha ele...” — disse para mim se referindo a minha perfomance ao praticar com o Si Suk Leonardo.
No entanto, o pior ainda estava por vir: ao me pedir para mostrar alguns socos, nos quais a mão de retaguarda deveria se posicionar antes da mão de vanguarda ir até a extensão máxima, eu simplesmente não conseguia fazer. “Você consegue ver que está muito ruim?” — Indagou  ele com um sorriso que era como alguém que não acredita no quão ruim está aquilo que seus olhos veem, enquanto apoiava a cabeça em uma das mãos com o braço apoiado em uma de suas pernas cruzadas.
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Sitting in front of Si Gung still at breakfast, I felt my energy plummeting. It was only 9 a.m., and my mind felt as drained as it would at the end of a long day. This mental state, an hour later, earned me a stern reprimand from Si Gung during the MPA of Si Suk Leonardo Pimenta, for which I was to be the assistant. “... You nearly ripped my hand off to grab the bag, and now that I need help, you’re just sitting there with your arms crossed...” — he said with considerable vehemence. “... You need to think with my head; when I need you, you should already be ready...”
Si Gung’s reprimands always seem to be fragments of a larger story that bring him back to the nature of the practice you are studying. So, even though he frequently points things out, as he did today, I don’t feel internally blocked. I know that, in time, everything will fall into place. “... All we want is not to rely on instinct...” — he commented to us both during one of the breaks, sitting next to the teapot and his cup. He continued: “... Instinct is there for when we’ve let everything else go. That’s why the mental attitude needs to be right; otherwise, you disrupt it...” — he said to me, referring to my performance while practising with Si Suk Leonardo.
However, the worst was yet to come: when he asked me to demonstrate some punches, where the rear hand should be positioned before the lead hand extends fully, I simply couldn’t do it. “Can you see that it’s rubbish?” — he asked with a smile that was as if he couldn’t believe how bad it was, while resting his head on one hand with his arm propped up on one of his crossed legs.




Pensei sobre o quanto ainda me prendo ao protocolo das coisas. Isso me faz intuir que algo deve ser feito sem prestar atenção às circunstâncias. Isso parece e é bem básico, mas, de alguma maneira, esses tropeços triviais têm muito a nos ensinar. Pensei quando Si Gung chamou minha atenção por eu estar assumindo posicionamentos com o corpo sem ter sentido através do braço do Si Suk Leonardo Pimenta, como conformar o corpo à pressão que ele aplicava. Lá estava eu, apenas fazendo posicionamentos que já conheço sem prestar atenção.
Ao retornar ao Instituto, dei prosseguimento à mesma prática que tinha feito às 4 da manhã. Estava bem mais tranquilo. Continuei cometendo erros ao longo do dia, não tantos quanto de manhã, mas ainda mais do que gostaria. Si Gung continuou chamando minha atenção, menos do que no período da manhã, mas ainda havia situações para isso. “... Você não pode me fazer mostrar uma coisa duas vezes...” — comentou ele em outra ocasião nesta mesma semana.
Terminamos a noite com um agradável jantar com o Si Suk Dorival, o Sensei Ricardo, Si Gung e sua esposa, Maria. Conversamos sobre cinema, animação, artes marciais, meditação, budismo tibetano e uma variedade de outros assuntos. Tudo para começar novamente às 4 da manhã.
O importante desse processo é conseguir sorrir. “... Você vai reparar que os artistas marciais costumam brincar em ambientes distintos, exatamente para descomprimir a seriedade exigida na experiência marcial...” — disse o Si Gung mais cedo. 

I reflected on how much I still cling to protocol. This makes me sense that something should be done without paying attention to the circumstances. Although it seems and is quite basic, in some way, these trivial missteps have a lot to teach us. I thought about when Si Gung drew my attention to my body positioning without sensing through Si Suk Leonardo Pimenta’s arm how to adjust the body to the pressure he was applying. There I was, simply making positions I already knew without paying attention.
Upon returning to the Institute, I continued with the same practice I had started at 4am. I was much calmer. I continued making mistakes throughout the day, not as many as in the morning, but still more than I would have liked. Si Gung continued to call my attention, less than in the morning, but there were still situations where it was necessary. “... You can’t make me show something twice...” — he commented on another occasion earlier this week.
We ended the evening with a pleasant dinner with Si Suk Dorival, Sensei Ricardo, Si Gung, and his wife, Maria. We talked about cinema, animation, martial arts, meditation, Tibetan Buddhism, and a variety of other topics. All to start again at 4am.
The important part of this process is to manage to smile. “... You’ll notice that martial artists often play in different environments precisely to relieve the seriousness required in martial practice...” — Si Gung said earlier. For challenging days, it seems that having a corn ice lolly also helps.



A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHO
Master Thiago Pereira
Leader of  Moy Fat Lei Family
moyfatlei.myvt@gmail.com
@thiago_moy 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Learning to work with the Ving Tsun Experience Programme

 

Today´s photos by : Raffy Carvalheira

"Estamos aqui não para aprender nada novo, mas para lembrarmos do que esquecemos."-  Foi com essa frase misteriosa que o meu Si Gung, Grão-Mestre Leo Imamura, começou uma das incríveis aulas de imersão do dedicado praticante Gino, que estou acompanhando como segundo ou terceiro assistente. Após essa frase, Si Gung deixou Gino ter a oportunidade de vivenciar o processo de recordar o que acabara de ver no Siu Nim Do. O componente a ser trabalhado naquele dia era o 1.1 do Programa Ving Tsun Experience. Confesso que nunca imaginei de fato como poderia trabalhar em alto nível esse componente, que tem como intencionalidade estratégica o enraizamento da base provocado pelo cruzamento descendente de braços. Também não compreendia a satisfação que Si Gung tem com o potencial do Programa Ving Tsun Experience. Sempre respeitei, achava que entendia, mas esta semana percebi que estava longe disso. Também pude perceber na prática o quanto apenas o seminário não é suficiente para alcançar o alto nível de entrega que o Programa propõe. Por isso, servir de assistente é fundamental. Começamos com um pré-evento, fazendo o trabalho entre os tutores, e depois atuamos com o praticante. É uma aula silenciosa; quase nada é dito, apenas perguntas são feitas e o praticante fala mais sobre suas percepções. Eu costumava apenas pensar que o Edson era um virtuoso e dedicado praticante, porém, ao observar o Gino e ter a mesma impressão, entendi que o nível do trabalho é tão alto que as pessoas constroem seu Kung Fu de maneira muito sólida, e uma hora pareceu pouco para este componente do Programa.

We are not here to learn anything new, but to remember what we have forgotten.” It was with this mysterious phrase that my Si Gung, Grandmaster Leo Imamura, began one of the incredible immersion classes of the dedicated practitioner Gino, whom I am assisting as a second or third assistant. After this phrase, Si Gung allowed Gino the opportunity to experience the process of recalling what he had just seen in the Siu Nim Do. The component to be worked on that day was 1.1 of the Ving Tsun Experience Programme. I confess that I never truly imagined how to work at a high level with this component, which strategically aims to root the base through the descending crossing of arms. I also did not understand the satisfaction that Si Gung has with the potential of the Ving Tsun Experience Programme. I always respected it and thought I understood, but this week I realised I was far from it. I also saw in practice how just the seminar is not sufficient to achieve the high level of delivery that the Programme proposes. That’s why being an assistant is crucial. We began with a pre-event, working among the tutors, and then we worked with the practitioner. It is a silent class; almost nothing is said, only questions are asked, and the practitioner speaks more about their perceptions. I used to think that Edson was a virtuoso and dedicated practitioner, but observing Gino and having the same impression made me realise that the level of work is so high that people build their Kung Fu in a very solid manner, and one hour seemed too little for this component of the Programme.

Além dessas aulas com Gino, há também as aulas com outras pessoas, bem como a possibilidade de acompanhar pré-eventos de aulas que acontecerão. Eu fico um mês sem ver a pessoa e não consigo acreditar em quão boa ela já está. Casos como o do Si Suk Vede, acho que ele nem se dá conta disso. E todos, sem exceção, que interagem com Si Gung em seu dia a dia, são muito sérios e dedicados. Em um ambiente assim, não há espaço para comparações, pois é tudo uma questão de se manter conectado e atento a tudo o que está acontecendo a todo momento. Quem "dorme", fica para trás.
Já ouviu que quando o discípulo está pronto, o mestre aparece?” - Perguntou Si Gung, rindo, enquanto voltava para seu lugar de onde conduz as aulas em um outro grau de transmissão que chamamos de "Interpessoal Indireto". E prosseguiu: “Eu acho que quando o mestre está pronto, o discípulo aparece...” - concluiu. Pelo que entendi, Si Gung estava dizendo que muitas vezes o mestre deseja um discípulo diferenciado, mas não está preparado para recebê-lo. “Por isso que é tão importante estudar...” - comenta ele nessas ocasiões.
Acompanhar o Si Gung no dia a dia me faz viver na prática uma leveza muito grande, pois me sinto livre de “buscar sentido nas coisas”. O coração fica leve, pois não fico questionando mentalmente o que está sendo dito. Lembro-me então que o Professor François Jullien teria escrito que, na lógica clássica chinesa, não há uma busca por sentido como no modelo grego. Existe apenas uma coerência profunda. Observar os impactantes resultados em questão de 72 horas, como no caso do Gino, que faz uma aula por dia, é algo inacreditável e me fez perceber que existe um Programa Ving Tsun Experience que eu nunca fui capaz de oferecer.

In addition to these classes with Gino, there are also classes with other people, as well as the opportunity to attend pre-events for upcoming classes. I might go a month without seeing someone, and I can hardly believe how good they have become. Cases like Si Suk Vede’s—I don’t think he even realises how good he became. And everyone, without exception, who interacts with Si Gung in his daily routine is very serious and dedicated. In such an environment, there is no room for comparisons, as it is all about staying connected and attentive to everything happening at all times. Those who "sleep" fall behind.
Have you heard that when the disciple is ready, the master appears?” — Si Gung asked, laughing, as he returned to his place from where he conducts the classes in another level of transmission that we call "Indirect Interpersonal". He continued: “I think that when the master is ready, the disciple appears...” — he concluded. From what I understood, Si Gung was suggesting that often the master desires a distinguished disciple but is not prepared to receive them. “That’s why it is so important to study...” — he comments on these occasions.
Following Si Gung daily gives me a profound sense of lightness, as I feel free from "searching for meaning in things." My heart feels light, as I am not mentally questioning what is being said. I then recall that Professor François Jullien wrote that, in classical Chinese logic, there is no search for meaning as in the Greek model. There is only a deep coherence. Observing the remarkable results within just 72 hours, as with Gino, who attends a class every day, is incredible and made me realise that there is a Ving Tsun Experience Programme that I have never been capable of offering.

A emoção de perceber alguém construindo seu Kung Fu ao vivo na sua frente tem mexido muito comigo. Nessas horas, fico refletindo sobre quando serei capaz de promover uma experiência tão rica como esta para quem servir de assistente para mim. “Deixa o tempo dizer a hora certa” — comentou Si Gung sobre outro assunto. Andar com Si Gung me rendeu boas risadas devido aos comentários que ele faz, como quando estávamos no trânsito intenso e eu o avisei de um carro que ele já tinha visto: “Você acha que eu não vi?” — perguntou ele em um tom de voz que misturava calma e consternação. Minha ação foi tão inadequada que tudo o que pude fazer foi rir. “Para andar comigo, você precisa conseguir olhar para onde eu estou olhando...” — teria dito ele.
Acho que, em algum nível, tenho conseguido apreciar o trabalho do Programa Ving Tsun Experience depois de tantos anos. No final destes dias aqui em São Paulo, tenho escutado sempre “Allowed to Be Happy” do Gustavo Santaolalla. Acho que é um sentimento renovado de amor pelas artes marciais que estou experimentando. Se eu fechar os olhos, posso me sentir tão empolgado quanto eu era enquanto iniciante em 2002, 2003 e 2004... E acho que não sou apenas eu que me sinto assim. Pois, em um mundo onde as pessoas verbalizam a palavra “gratidão” de uma maneira irresponsável, ao final dos momentos com Si Gung, ninguém fala em gratidão, mas você sabe que, de alguma maneira, é o que todos nós estamos sentindo.

The emotion of witnessing someone building their Kung Fu live in front of me has had a profound effect on me. At such moments, I find myself reflecting on when I will be able to provide such a rich experience for those who assist me. “Let time tell the right moment,” Si Gung commented on another subject. Spending time with Si Gung has given me many laughs due to his remarks, such as when we were in heavy traffic, and I pointed out a car that he had already seen: “Do you think I didn’t see it?” — he asked in a tone that mixed calm and mild exasperation. My action was so misplaced that all I could do was laugh. “To be with me, you need to be able to see where I am looking...” — he would have said.
I think that, on some level, I have come to appreciate the work of the Ving Tsun Experience Programme after so many years. At the end of these days here in São Paulo, I have been listening repeatedly to “Allowed to Be Happy” by Gustavo Santaolalla. I believe it is a renewed sense of love for martial arts that I am experiencing. If I close my eyes, I can feel as excited as I was as a beginner in 2002, 2003, and 2004... And I think I’m not the only one who feels this way. In a world where people use the word “gratitude” in an irresponsible manner, at the end of moments with Si Gung, no one explicitly talks about gratitude, but you know that, in some way, it is what we are all feeling.



A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHO
Master Thiago Pereira
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terça-feira, 6 de agosto de 2024

Re-studying "BIU JI" in the city of Niterói w/ GM LEO


 Pela quarta vez me encontrava com o Juan para trabalhar algum marco do Sistema. Entre a primeira vez e esta última, dois anos depois, muita coisa mudou para nós.Em 2022, Si Gung estava hospedado em um hotel no Leblon e iria dar uma aula privativa à tarde. Encontrei-o no café, junto a outros Mestres. Precisei cumprir alguns compromissos do meu outro trabalho e voltei correndo para o hotel. Chegando lá, quando o MPA começou, foi um verdadeiro desastre! Não conseguia sequer entender o que Si Gung estava pedindo ou o que deveria fazer. A cada segundo que passava, achava que estava atrapalhando ao tomar o tempo de todos no local. Foi uma sensação bem ruim de frustração, como não sentia há tempos, e foi então que percebi que deveria haver algo errado. Hoje acredito em um limite claro entre uma habilidade desenvolvida e um entendimento sistêmico.

For the fourth time, I met with Juan to work on a System practice. Between the first time and this last meeting, two years later, a lot had changed for both of us.
In 2022, Si Gung was staying at a hotel in Leblon (Rio south zone) and was due to give a private lesson in the afternoon. I found him during breakfast with other Masters. I needed to fulfil some commitments from my other job and rushed back to the hotel. When I arrived, and the MPA began, it was a complete disaster! I couldn’t even understand what Si Gung was asking for or what I was supposed to do. With every passing second, I felt that I was hindering everyone by taking up their time. It was a very unpleasant feeling of frustration, something I hadn’t experienced in a long time, and it was then that I realised something must be wrong. Today, I believe there is a clear boundary between developed skill and systemic understanding.


Nesse encontro mais recente, eu já me sentia uma pessoa completamente diferente. Até mesmo porque, no encontro anterior a este, usando o Sistema R.I.S., Si Gung dava as orientações no meu ouvido. E, diferente daquela tarde emblemática no hotel no Leblon, eu conseguia compreender o que ele pedia, mas meu corpo não respondia! — “Tá muito sujo, procura fazer um movimento mais limpo... Mais limpo, Pereira!” — Eu o ouvia, mas não conseguia executar. O Mestre do Juan, meu Si Suk Geraldo Monnerat, acompanhava tudo sem dizer uma palavra. Às vezes, pedia a ele que comentasse algo ou apontasse algum erro, mas ele permanecia firme em sua posição e parecia confiar que, se houvesse algo para dizer, Si Gung já teria falado. Fico sempre impressionado com a capacidade dele de ficar em silêncio. Quando finalmente resolve falar algo, fala com Juan, nunca comigo. Para mim, o máximo que consegui foi um: “Tá bom... É isso mesmo” — e depois ele ficava em silêncio novamente. Algo também muito característico desse tipo de assistência é quando Si Gung diz: “Muito bom! Isso!” — Só que, quando você se dá conta, o momento já passou e você fica ali pensando: “Mas o que estava bom dessa vez?

In this most recent meeting, I felt like a completely different person. This was especially true compared to the previous meeting, where, using the R.I.S. System, Si Gung gave me instructions in my ear. Unlike that emblematic afternoon at the hotel in Leblon, I was able to understand what he was asking for, but my body wouldn’t respond! — “It’s too sloppy, try to make the movement cleaner… Cleaner, Pereira!” — I could hear him, but I couldn’t execute it. Juan’s Master, my Si Suk Geraldo Monnerat, observed everything without saying a word. Sometimes I asked him to comment on something or point out any mistakes, but he remained steadfast in his position and seemed to trust that if there was anything to say, Si Gung would have said it. I am always impressed by his ability to remain silent. When he finally does say something, it is always to Juan, never to me. The most I managed to get was a: “It’s good… That’s right” — and then he would fall silent again. Something also very characteristic of this type of assistance is when Si Gung says: “Very good! That’s it!” — But by the time you realise, the moment has already passed and you are left thinking: “But what was good this time?

O que mais me toca nesses momentos, porém, é perceber a evolução constante. — “Você é o que nós temos. Vamos ter que nos virar com você…” — Disse Si Gung pelo Sistema R.I.S. para mim, quando perguntei a ele se não seria melhor repensar o trabalho, pois já não conseguia mais fazer como fazia Chi Sau até hoje, mas meu corpo ainda não reage adequadamente ao que deve ser feito, o que estava, mais uma vez, fazendo com que eu atrapalhasse o Juan. — “Às vezes, o que você não faz ajuda mais do que fazer alguma coisa…” — Disse Si Gung. — “Mas está muito bom… Eu acho que está muito bom, a não ser que o Si Fu do Juan pense diferente!” — Comentou ele, rindo. Si Suk Monnerat sorriu e comentou que estava bom sim. Bem, não era necessário; tenho me mantido com o coração muito aberto a essas experiências, tendo em vista todas as minhas limitações. Afinal, são momentos em que você sua e se conecta com a prática de tal forma que, por um momento, você pode não só lembrar, mas viver com clareza a razão pela qual começou essa jornada . Os boletos somem, os problemas também, você esquece dos seus horários, não se importa mais se está sendo golpeado ou não; você está ali apenas tomando um ar para a próxima rodada. E por todas essas horas, todos seguem concentrados: sem qualquer conversa paralela, exceto para auxiliar na melhor compreensão de como viver, por um milésimo de segundo, a excelência que tanto falamos. — “Si Gung, acho que preciso ir; não percebi o horário e já estou atrasado” — Disse Juan às 18h. Havíamos nos encontrado às 10h, mas nem parecia. Você fica com um olhar meio perdido, meio ofegante, meio revivendo mentalmente o que deveria ter feito.

What touches me most in these moments, however, is perceiving the constant evolution. — “You are what we have. We’ll have to make do with you…” — Si Gung said to me through the R.I.S. System when I asked him if it wouldn’t be better to rethink the work, as I could no longer perform Chi Sau as I used to, but my body still didn’t react appropriately to what needed to be done, which was, once again, causing me to hinder Juan. — “Sometimes, what you don’t do helps more than doing something…” — Si Gung said. — “But it’s very good… I think it’s very good, unless Juan’s Si Fu thinks differently!” — He commented, laughing. Si Suk Monnerat smiled and said that it was indeed good. Well, it wasn’t necessary; I have kept my heart very open to these experiences, considering all my limitations. After all, these are moments when you sweat and connect with the practice in such a way that, for a moment, you can not only remember but clearly experience the reason why you started this journey. Bills fade away, problems too, you forget about your schedule, you no longer care if you are being hit or not; you are just there, catching your breath for the next round. And throughout all these hours, everyone remains focused: with no side conversations, except to aid in the better understanding of how to live, for a millisecond, the excellence we so often talk about. — “Si Gung, I think I need to go; I didn’t realise the time and I’m already late” — Juan said at 6pm. We had met at 10am, but it hardly felt like it. You end up with a somewhat lost look, somewhat breathless, somewhat mentally revisiting what you should have done.


"Kung Fu é resultado", costuma dizer Si Gung. E, de fato, para alcançar um bom resultado, eu e Juan precisamos nos dedicar muito. Entre o nosso último encontro e este, por exemplo, resolvi ir a São Paulo e, na oportunidade, reestudar o "Cham Kiu", onde pude finalmente sentir meu corpo fazendo os movimentos de forma limpa. Acontece que Juan também está ficando muito bom, e ao nos atermos a uma coerência profunda, o processo de transmissão fica muito mais desafiador. Apesar disso, percebemos uma melhora um no outro. Não sabemos exatamente onde, mas sabemos que ela está lá. Tudo isso ocorre sob o monitoramento constante do Si Gung, que não fala nada objetivamente; seus apontamentos são muito sutis e sempre nos levam a uma reflexão sobre a natureza do Domínio. Por isso, mesmo em momentos em que paramos e eu pego um pouco de biscoitinho, as contribuições sempre orientam para a natureza do Domínio ou para uma compreensão sistêmica. Com isso, fica mais fácil entender o que é um MPA e uma pausa estratégica.

"Kung Fu is also result," Si Gung often says. And indeed, to achieve a good result, Juan and I need to dedicate ourselves greatly. For example, between our last meeting and this one, I decided to go to São Paulo and take the opportunity to re-study "Cham Kiu," where I was finally able to feel my body performing the movements cleanly. It happens that Juan is also getting very good, and as we delve into a deep coherence, the process of transmission becomes much more challenging. Nevertheless, we notice an improvement in each other. We don't know exactly where, but we know it is there. All of this occurs under the constant observation of Si Gung, who doesn't speak objectively; his feedback is very subtle and always leads us to reflect on the nature of the Domain. Therefore, even at moments when we pause and I have a bit of biscuit, the contributions always guide us towards understanding the nature of the Domain or a systemic comprehension. This makes it easier to understand what an MPA and a strategic pause are.

Alguns dias depois, tive um encontro com Si Gung para programar a jornada de cada um dos meus discípulos. Com toda a paciência, Si Gung me mostrou como usar o programa para projetar a jornada de alguém, tudo com muita consciência e coerência. Devido a esta constante busca com o apoio do Si Gung, a minha Família Kung Fu ganhou uma energia diferente. No entanto, também sinto que estamos entre a maneira como sempre trabalhamos com o Sistema Ving Tsun e a maneira com a qual pretendemos trabalhar a partir de agora. Acredito que será um processo demorado, mas que a consistência nos ajudará a perseverar. Afinal, em momentos em que atuo como assistente, como nesses com o Juan, posso ver com clareza o novo nível de trabalho que podemos alcançar. A gente chega lá.

A few days later, I had a meeting with Si Gung to plan the journey for each of my disciples. With great patience, Si Gung showed me how to use the programme to design someone's journey, all with much awareness and coherence. Due to this constant search with Si Gung’s support, my Kung Fu family has gained a new energy. However, I also feel that we are transitioning between the way we have always worked with the Ving Tsun System and the way we intend to work from now on. I believe it will be a lengthy process, but consistency will help us to persevere. After all, in moments when I act as an assistant, such as those with Juan, I can clearly see the new level of work we can achieve. We will get there.


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Master Thiago Pereira
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