
Você então podia nos ver ali, naquela manhã de sábado: eu e Diego (discípulo do Mestre Sênior Monnerat), que nos observava com atenção. Ao fundo, o Mestre Sênior Fabio Gomes, sempre muito atento ao que seu "Si Fu", o Grão-Mestre Leo Imamura, diz, validava com ele alguns conceitos. Na porta, meu discípulo Lucas assistia à minha tentativa de tutorização dentro do Domínio "Cham Kiu".
Bem antes disso, nos encontramos na padaria, e o Grão-Mestre Leo Imamura chegou trazendo importantes indagações sobre o trabalho que seria feito com Diego naquela manhã. Eu já havia feito trabalhado com ele também na noite de sexta-feira, mas o Grão-Mestre afirmava que, para aquela manhã, o que foi feito na noite anterior não era mais suficiente. Por isso, ele trouxe algumas perguntas bem diretas sobre o trabalho a ser realizado, e todos à mesa me observavam responder.
Geralmente, eu não fico nervoso em situações assim, mas naquela manhã em particular, eu estava. Não pelas pessoas olhando, mas porque, por alguma razão misteriosa, alguns meses antes, dentro do mesmo trabalho do "Cham Kiu", minha performance chegou a ser constrangedora. Em determinado momento naquela ocasião, o Grão-Mestre Leo Imamura chegou a pedir ao Mestre Monnerat que me ajudasse — parecia que algum "botão mental" havia sido desligado.
Por isso, sentado ali, minha ansiedade em mostrar que a situação não era mais a mesma era tamanha que eu não conseguia colocar em palavras o que queria dizer. Nessas horas, lembro também de uma fala da Professora Vanise para mim, orientando-me a "baixar a guarda e parar de lutar um pouco":
— "Você está lutando há muito tempo, tenta ser menos Yang um pouco, Thiago" — teria dito ela.
É como uma competição comigo mesmo. Mas o Grão-Mestre Leo Imamura gentilmente me conduziu ao apropriado e pontuou que era importante eu conseguir verbalizar exatamente o que eu sabia. Nesse ínterim, ele também pôde, de maneira muito rica, me mostrar o quanto minha mente é voltada para "Mobilização", e não para "Tutorização".
A primeira vez que tentei ajudar o Diego, a pedido do Grão-Mestre, foi em um hotel na Barra, de madrugada, alguns anos atrás. Naquela ocasião e em outras mais, talvez Diego tenha ficado confuso por conta da minha conduta durante a prática, não tão assertiva a respeito do que estava fazendo. Isso ocorre porque, no nível de trabalho que o Grão-Mestre Leo Imamura propõe, um momento de desatenção e você sabe que precisa recomeçar tudo de novo. Às vezes ele vem até você e fica olhando de perto, às vezes chama sua atenção com a veemência que a natureza do Domínio em que você está pede, mas ele também diz "obrigado" quando você não comprometeu o trabalho.
Com isso, não é difícil praticar por muitas horas. Você fica tão imerso em busca da excelência que o maior cuidado que eu preciso ter é o de não me voltar tanto pra dentro buscando o apropriado e esquecer da pessoa que está na minha frente.
Com o tempo, as práticas com o Diego passaram a terminar com um sorriso de nossa parte, Diego agradece e damos um breve abraço. Mal falamos durante toda a prática, mas não tem nada a ser falado. Às vezes o esforço mútuo em busca da intencionalidade é tamanho que, quando o Grão-Mestre faz uma pausa estratégica e pergunta: "Você quer fazer alguma contribuição, Mestre Pereira?" – é quase certo eu falar: "Não, Si Gung". Por outro lado, quando ele direciona a pergunta ao Si Fu do Diego que acompanha tudo, Mestre Monnerat faz breves e educados comentários. Sempre positivos e que visam a melhora. Então continuamos.
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Recentemente, tive acesso a um vídeo espetacular do 7º dan de Aikido, Sihan Ricardo Leite, sobre a relação de irmandade dentro do mundo das artes marciais.
— "Você encontra o cara todo dia, e você eventualmente faz amizade até no trabalho. Fazer amizade não é o que caracteriza a prática do Aikido. Proporcionar uma harmonia, uma irmandade, que está baseada, fundamentada na experiência marcial. Nós nos tornamos irmãos quando a gente, junto, encontra o porquê de um movimento, sem força. Eu, que estou aplicando, encontro a via para explorar a força do meu parceiro, que está me atacando, e faço isso de tal forma que sai independente de mim ou dele. Porque nós veiculamos a arte na prática para além da nossa capacidade consciente. Ela se expressou na plenitude da nossa capacidade humana individual, em conjunto."
Essa fala me parece sensacional, pois ele conseguiu colocar em palavras um sentimento que experimentei exatamente com o Diego na noite de sexta e, principalmente, na manhã de sábado. Não somos da mesma Família Kung Fu, e o Diego gentilmente me chama de "Si Hing", mas eu quero entender que vivi com ele exatamente o que o Sihan Ricardo Leite descreve em seu vídeo, independente de sermos da mesma Família Kung Fu ou não.
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Mas talvez você se lembre do Lucas parado na porta do Instituto, na primeira imagem deste artigo. Como sempre escrevo aqui, entre erros e mais erros, e entre as dificuldades da Vida Kung Fu e da prática, o Lucas sempre tem acesso a tudo o que deseja nessa jornada.
Naquele mesmo dia, após o evento com o Mestre Bruno no Hotel Nikkey, retornamos ao Instituto Moy Yat e ficamos por uma hora e meia lá praticando. Lucas havia comido um pouco demais e provado uma cachaça chinesa oferecida pelo Mestre Bruno. Estava usando roupa social durante a prática e, mesmo com o ar-condicionado, suava bastante.
Em certo momento, Lucas parou, olhando para o nada, sentado sozinho na sala de convivência. Olhei para ele pela porta e perguntei se estava tudo bem. Ele pediu um tempo, porque a comida estava "voltando". Pouco tempo depois, levantou-se e continuou — agora praticando o "Biu Gwan". Parecia muito melhor do que da última vez que o vi. A cada tentativa, parecia mais preciso que a anterior, e não percebi mais nele o semblante de alguém que estava passando mal. Muito pelo contrário — ele parecia imerso.
Com uma compreensão sobre o manuseio do bastão mais profunda adquirida no Seminário do Nível 5, e com a atitude mental apropriada, aquele foi um dos nossos melhores dias. Talvez eu nem precisasse mais estar ali. Por isso, acredito que no futuro, Lucas poderá experimentar esse mesmo nível de conexão com seus irmãos Kung Fu, por meio de uma experiência marcial verdadeiramente imersiva. É nisso que quero acreditar.