Existe um viaduto que liga uma região do Rio considerada "terra dos bambas" ao bairro de Rocha Miranda. Quando eu subo com o carro por aquele viaduto, por alguns segundos é possível ver boa parte do bairro onde cresci, então me sinto em casa. Por um breve momento, os problemas da vida parecem desaparecer. Recentemente, porém, o bairro ficou mais perigoso, meu melhor amigo tem muitas atividades e não tem tido tempo e até o restaurante onde costumávamos almoçar aos domingos fechou.
Talvez seja por isso que, sentado com a luz do sol nos meus olhos em uma mesa na Padaria Manhattan na manhã desta sexta-feira, ao ver Si Gung caminhando em nossa direção, onde eu e meu discípulo Lucas o aguardávamos, tive um sentimento semelhante ao do viaduto. Me senti em casa. Me dirigi até a porta para pegar a mala do Si Gung e cumprimentá-lo; ele chegou com um sorriso. Não sabia que horas ele tinha ido dormir ou o quão cansado estava, mas parecia feliz em nos ver. Assim que se sentou, lembrei que ainda não havia feito os pedidos, mas ele não me chamou atenção por isso. Sua simples presença já era suficiente para nos elevar a outro nível de atenção. Sem sermões, sem lições, sem assuntos que não estivessem ligados diretamente ao nosso trabalho, em poucos segundos Si Gung nos transportou para a "Dimensão Kung Fu". Seu café da manhã acabou rapidamente, mas ele não fez menção de ir embora. Continuava discutindo assuntos determinantes e relevantes sobre nosso presente e futuro, deixando claro com sua atitude que não estava ali apenas para comer. Já ouvi dizer que "casa é onde o coração está".
There is a viaduct that connects a region of Rio known as "Samba´s masters land" to the Rocha Miranda wild neighborhood. When I drive up that viaduct, for a few seconds I can see much of the neighborhood where I grew up, and I feel at home. For a brief moment, life's problems seem to disappear. Recently, however, the Rocha Miranda has become more dangerous, my best friend has many commitments and hasn't had time, and even the restaurant where we used to have Sunday lunches has closed.
Perhaps that's why, sitting with the sunlight in my eyes at a table in Manhattan Bakery on Friday morning, when I saw Si Gung walking towards us, where my disciple Lucas and I were waiting, I had a feeling similar to when I drive over that viaduct towards Rocha Miranda neighborhood. I felt at home right there. I walked up to the door to greet Si Gung and fetch his suitcase; he arrived with a smile. I didn't know what time he had gone to bed or how tired he was, but he seemed happy to see us. Once he sat down, I remembered I hadn't even taken our orders yet, but he didn't admonish me for it. His mere presence was enough to elevate our attention to another level. Without sermons, without lessons, without discussing anything unrelated to our work, Si Gung swiftly transported us to the "Kung Fu Dimension". His breakfast ended quickly, but he showed no intention of leaving. He continued to discuss pivotal and pertinent matters about our present and future, clearly indicating through his demeanor that he wasn't there just to eat. I've heard someone said that "home is where the heart is."
Começamos a manhã com um verdadeiro presente, que foi a oportunidade de observar Si Gung conduzindo um Momento Programado de Acesso. Observar Si Gung trabalhar faz com que você se sinta envergonhado pela sua ética de trabalho na transmissão do Sistema Ving Tsun(Seja ela qual for). O nível de atenção aos detalhes e sua maneira de incentivar a excelência (sem forçar) obrigam quem está assistindo a lembrar-se de se doar tanto quanto ele ao estudo do Sistema. De fato, fiquei muito tocado ao vê-lo levantar-se para dar detalhes sobre o "Siu Nim Tau" (foto acima) da maneira como fez. Estavam presentes três mestres e, mesmo assim, ele fez questão de fazê-lo. Foi algo muito especial.
We started the morning with a true gift, which was the opportunity to observe Si Gung leading a class. Watching Si Gung work makes you feel ashamed of your work ethic in passing down the Ving Tsun System (whichever it may be). The level of attention to detail and his way of encouraging excellence (without forcing it) compel those watching to remember not to give any less effort than he does in studying the System. In fact, I was deeply moved to see him rise to provide details about the "Siu Nim Tau" (photo above) in the manner he did. There were three masters present, and yet he made a point of doing so. It was something very special.
Em momentos como esse, eu naturalmente esvazio o coração em relação a tudo que penso saber, e ouço as orientações do Si Gung como se estivesse ouvindo sobre o "Cham Kiu" pela primeira vez. Desde a ordem dos tutores até os apontamentos, tudo é feito com muito cuidado, coerência e zelo. Você não se sente exposto e por não temer "perder a cara", pode permitir que o eterno aprendiz que carrega dentro de si tome a frente. Hoje ouvi Si Gung dizer: "O tempo que o discípulo... Que o praticante disponibiliza... Ele precisa valer ouro para nós..." E de fato, ele faz isso a cada segundo. Então, você poderia me ver ali pensando: "Ei! Deixa eu prestar atenção nisso para não esquecer..."
In moments like these, I naturally empty my heart regarding everything I think I know, and I listen to Si Gung's guidance as if hearing about "Cham Kiu" for the first time. From the order of the tutors to the orientations, everything is done with great care, coherence, and zeal. You don't feel exposed and, by not fearing "losing face", you can let the eternal apprentice within take the lead. Today, I heard Si Gung say, "The time that the disciple... that the practitioner makes available... it needs to be worth its weight in gold to us..." And indeed, he does this every second. So you could see me there thinking, "Hey! Let me pay attention to this so I don't forget..."
We started the morning with a true gift, which was the opportunity to observe Si Gung leading a class. Watching Si Gung work makes you feel ashamed of your work ethic in passing down the Ving Tsun System (whichever it may be). The level of attention to detail and his way of encouraging excellence (without forcing it) compel those watching to remember not to give any less effort than he does in studying the System. In fact, I was deeply moved to see him rise to provide details about the "Siu Nim Tau" (photo above) in the manner he did. There were three masters present, and yet he made a point of doing so. It was something very special.
Em momentos como esse, eu naturalmente esvazio o coração em relação a tudo que penso saber, e ouço as orientações do Si Gung como se estivesse ouvindo sobre o "Cham Kiu" pela primeira vez. Desde a ordem dos tutores até os apontamentos, tudo é feito com muito cuidado, coerência e zelo. Você não se sente exposto e por não temer "perder a cara", pode permitir que o eterno aprendiz que carrega dentro de si tome a frente. Hoje ouvi Si Gung dizer: "O tempo que o discípulo... Que o praticante disponibiliza... Ele precisa valer ouro para nós..." E de fato, ele faz isso a cada segundo. Então, você poderia me ver ali pensando: "Ei! Deixa eu prestar atenção nisso para não esquecer..."
In moments like these, I naturally empty my heart regarding everything I think I know, and I listen to Si Gung's guidance as if hearing about "Cham Kiu" for the first time. From the order of the tutors to the orientations, everything is done with great care, coherence, and zeal. You don't feel exposed and, by not fearing "losing face", you can let the eternal apprentice within take the lead. Today, I heard Si Gung say, "The time that the disciple... that the practitioner makes available... it needs to be worth its weight in gold to us..." And indeed, he does this every second. So you could see me there thinking, "Hey! Let me pay attention to this so I don't forget..."
Si Gung aproveita suas visitas a São Paulo para dedicar tempo aos seus pais e resolver questões particulares com eles. Ele também abre sua vida para que possamos estar presentes nesses momentos. "E aí, Pereira? Onde você quer almoçar hoje?", perguntou ele, como costuma fazer. Devido à minha "fase Coreia", inspirada na riqueza cultural que tenho aprendido com meu querido amigo Choi Ki Hon em São Paulo, sugeri mais uma vez um restaurante coreano. E lá estávamos todos nós! Durante o trajeto, pude conversar com Si Gung sobre livros de artes marciais e cultura chinesa. Si Gung geralmente relaciona o assunto com algum tema que direcione a salvaguarda do Sistema Ving Tsun e como podemos entender melhor essa missão. Isso nos ajuda constantemente a não esquecer nossa missão e a deixar as amenidades para outro momento.
Si Gung takes advantage of his visits to São Paulo to spend time with his parents and resolve personal matters with them. He also opens up his life so that we can be present in these moments. "So, Pereira? Where do you want to have lunch today?" he asked, as he usually does. Due to my "Korea phase," inspired by the cultural richness I've been learning from my dear friend Choi Ki Hon from São Paulo, I suggested once again a Korean restaurant. And there we all were! During the journey, I was able to talk with Si Gung about martial arts books and Chinese culture. Si Gung typically relates the subject to some theme that directs the safeguarding of the Ving Tsun System and how to better understand this mission. This constantly helps us to not forget our mission and to leave the amenities for another time.
Voltamos para o Instituto Moy Yat onde conversamos e ele me incentivou mais uma vez a dedicar-me mais ao desenvolvimento do meu próprio entendimento sobre as coisas. Logo depois, acompanhei uma aula de Biu Ji com seu filho Lukas Imamura. Em seguida, fui com ele até a barbearia e conversamos mais sobre o momento do Grande Clã no caminho. Finalmente, quando voltamos, logo depois chegaram o Sensei Ricardo Leite e o Edson, que é praticante do Programa Ving Tsun Experience (foto acima à direita). Meu discípulo Lucas também chegou (foto acima à esquerda) e lá estava Si Gung novamente! A mesma energia que demonstrou às 8h quando chegou à padaria. E ali me perguntei: "Por que Si Gung não desiste?" - É uma pergunta válida, considerando todos os dissabores que a posição dele também proporciona. Porém, hoje mais cedo ele também havia falado comigo na mesma padaria: "Nossa diferença é que nós não trabalhamos... Nós amamos o que fazemos. Uma pessoa trabalha no que não gosta cinco dias por semana e precisa descomprimir no final de semana; quando a diferença entre os dias trabalhados e os de descanso se torna muito desproporcional, ela tira férias. Nós não tiramos férias... Nós amamos o que fazemos..."
We returned to Moy Yat Institute where we talked, and he once again encouraged me to dedicate myself more to developing my own understanding of things. Shortly after, I attended a Biu Ji class of his son Lukas Imamura. Afterwards, we went to the barber shop and discussed more about the current state of the Clan on the way. Finally, when we returned, Sensei Ricardo Leite and Edson, who is a practitioner in the Ving Tsun Experience Programme (photo top right), arrived soon after. My disciple Lucas also arrived (photo top left), and there was Si Gung again! The same energy he showed when he arrived at the bakery at 8 a.m. And there I wondered: "Why doesn't Si Gung give up?" - It's a valid question, considering all the challenges his position also brings. However, earlier today he had also spoken to me at the same bakery: "The difference between us is that we don't work... We love what we do. A person works at something they don't like five days a week and needs to unwind on the weekend; when the difference between working days and rest days becomes too disproportionate, they take holidays. We don't take holidays... We love what we do..."
We returned to Moy Yat Institute where we talked, and he once again encouraged me to dedicate myself more to developing my own understanding of things. Shortly after, I attended a Biu Ji class of his son Lukas Imamura. Afterwards, we went to the barber shop and discussed more about the current state of the Clan on the way. Finally, when we returned, Sensei Ricardo Leite and Edson, who is a practitioner in the Ving Tsun Experience Programme (photo top right), arrived soon after. My disciple Lucas also arrived (photo top left), and there was Si Gung again! The same energy he showed when he arrived at the bakery at 8 a.m. And there I wondered: "Why doesn't Si Gung give up?" - It's a valid question, considering all the challenges his position also brings. However, earlier today he had also spoken to me at the same bakery: "The difference between us is that we don't work... We love what we do. A person works at something they don't like five days a week and needs to unwind on the weekend; when the difference between working days and rest days becomes too disproportionate, they take holidays. We don't take holidays... We love what we do..."
Observar Si Gung trabalhar hoje mais uma vez foi muito inspirador. Sabe, eu consegui estar presente em cada momento, mesmo mais tarde quando ele deu uma entrevista ao Sensei Ricardo Leite, até nos despedirmos pouco antes da 1h da manhã. O sentimento que dura segundos quando subo o viaduto que liga os bairros de Madureira a Rocha Miranda, hoje durou o dia inteiro. Não havia problemas, não havia nada lá fora, apenas o encantamento renovado pelo Sistema que escolhi estudar há 25 anos. Eu sei que para você que está lendo, talvez não compreenda completamente o que estou tentando descrever. No entanto, Si Gung também disse hoje em sua entrevista: "...Simbologias existem para alcançarmos certas consciências que a simples descrição não alcança. Daí a diferença entre prosa e poesia..."
Eu nunca desisti.
Watching Si Gung work today once again was deeply inspiring. You know, I managed to be fully present in every moment, even later when he gave an interview to Sensei Ricardo Leite, until we said goodbye shortly before 1 a.m. The fleeting feeling I get when I drive over the viaduct connecting the neighborhoods of Madureira(Samba´s masters land) to Rocha Miranda(my childhood neighborhood) lasted the entire day today. There were no issues, nothing outside mattered; there was only the renewed enchantment with the System I chose to study 25 years ago. I understand that for you, the reader, you may not fully grasp what I'm trying to describe. However, Si Gung also said in his interview today: "...Symbols exist to reach certain levels of consciousness that simple description cannot reach. Hence the difference between prose and poetry..."
]I have never given up.