Meu Mestre Julio Camacho, eu e meu Si Gung com
meu 'Jiu paai', um símbolo da inauguração de uma família kung fu.
(My Master Julio Camacho, myself, and my Si Gung with my 'Jiu paai,'
a symbol of the inauguration of a Kung Fu family.)
"'Professor'? Eu não sou professor de ninguém!" - Dizia, aos risos, o homem com quem faria o 'Baai Si' oito anos depois. Era setembro de 1999, e eu fazia o "Curso Introdutório". Aquela fala me pegou de surpresa, pois eu não sabia como chamá-lo. Eu havia praticado duas artes marciais antes disso, de maneira muito dedicada, apesar da pouca idade. Tinha dezenas de revistas de artes marciais, e em todas, falava-se em professor, mestre, etc...
Com os anos, pude me aprofundar mais em um conhecimento que julgo muito importante dentro do círculo marcial chinês, que é o do "Pseudo-parentesco" [拟亲属]. Com isso, buscando fazer um uso adequado de termos como "Si Hing", "Si Je", "Si Suk", "Si Fu", etc...
Quando minha Família Kung Fu foi inaugurada, devido a sorte, ela também foi a primeira da Décima Segunda Geração da Linhagem Moy Yat no Brasil. Enquanto precisei de um certo tempo para parar de celebrar internamente essa conquista, ao amadurecer minha visão, passei a entender que não se tratava de uma conquista, mas de uma condição favorecida pelo trabalho de quem veio antes de mim. Ao tomar parte disso, mal eu sabia que inaugurava também o uso de termos do "Pseudo-parentesco" [拟亲属], até então inéditos no Brasil, como 'chang to suen' [曾徒孫].
"'Professor'? I am not a teacher to anyone!" - said, laughing, the man who I would become disciple eight years later. It was September 1999, and I was taking the "Introductory Course." That remark caught me by surprise because I didn't know how to address him. I had practiced two martial arts before, very dedicatedly despite my young age. I had dozens of martial arts magazines, and in all of them, terms like teacher, master, etc., were used.
Over the years, I was able to delve deeper into a knowledge that I consider very important within the Chinese martial arts circles, which is the "Pseudo-parentage" [拟亲属]. With this, seeking to use terms like "Si Hing," "Si Je," "Si Suk," "Si Fu," etc., appropriately.
When my Kung Fu Family was inaugurated, by luck, it also became the first of the Twelfth Generation of the Moy Yat Lineage in Brazil. While it took me some time to stop celebrating this internally, as I matured, I came to understand that it was not about a conquest but a condition favored by the work of those who came before me. By taking part in this, little did I know that I was also inaugurating the use of terms of "Pseudo-parentage" [拟亲属], hitherto unprecedented in Brazil, such as 'chang to suen' [曾徒孫].
Meu Si Gung contempla o tempo frio de Nova Iorque no início dos anos 2010.
(My Si Gung contemplates the cold weather in New York in the early 2010s.)
Ainda na década de '80, Grão-Mestre Leo Imamura[FOTO] teve uma série de dificuldades com questões que hoje são simples, como o uso do termo 'Si Fu (師父)', que muitas vezes muitos legantes em nosso país preferiam não usar, devido a uma cacofonia que ocorre com esse termo no idioma portugues do Brasil.
Atualmente, para meus discípulos que são membros de Décima Terceira Geração da Linhagem Moy Yat na América Latina, GM Leo Imamura se tornou ' Si Taai Gung (師太公) '. Consegue imaginar isso? Até pouco tempo para a décima primeira geração da qual meu Si Fu faz parte 'Si Taai Gung (師太公)' seria o próprio Patriarca Ip Man, e hoje meus discípulos desfrutam do privilégio de chamar alguém vivo e ativo na comunidade de 'Si Taai Gung (師太公)'. E se o GM Leo Imamura é chamado de 'Si Taai Gung (師太公)' por meus discípulos, como então eles chamariam o Patriarca Moy Yat?
Still in the '80s, Grandmaster Leo Imamura [PHOTO] faced a series of difficulties with issues that are now considered simple, such as the use of the term 'Si Fu (師父)', which many adepts in our country often preferred not to use due to a cacophony that occurs with this term in the Portuguese language of Brazil.
Currently, for my disciples who are members of the Thirteenth Generation of the Moy Yat Lineage in Latin America, GM Leo Imamura has become 'Si Taai Gung (師太公)'. Can you imagine that? Until recently, for the eleventh generation to which my Si Fu belongs, 'Si Taai Gung (師太公)' would be Patriarch Ip Man himself, and today my disciples enjoy the privilege of calling someone alive and active in the community 'Si Taai Gung (師太公)'. And if GM Leo Imamura is called 'Si Taai Gung (師太公)' by my disciples, how then would they refer to Patriarch Moy Yat?
Meu Si Fu ladeado por meu Si Gung e minha Si Taai quando recebeu sua qualificação de Mestre.
(My Si Fu flanked by my Si Gung and my Si Taai when he received his Master qualification.)
Meus discípulos chamam o Patriarca Moy Yat de 'Si Jo (師祖)', um termo que se aplica a qualquer um dos ancestrais de nossa Linhagem, com exceção de dois deles: Yim Ving Tsun e a monja Ng Mui. Ambas são chamadas de 'Jo Si [祖師]'. Com isso, temos uma aparentemente despretensiosa troca da ordem dos ideogramas de 'Si Jo (師祖)' por 'Jo Si [祖師]', mas que, de fato, no caso da monja, seu 'Jo Si [祖師]' pode ser entendido como “originadora”, enquanto no caso de Yim Ving Tsun pode ser compreendido como “fundadora”. Com isso, a simples compreensão do termo 'Jo Si [祖師]' quando relacionado a cada uma das duas, nos ajuda a enxergar nossa genealogia como uma lista de casos, na qual cada ancestral aparece como um dispositivo de entendimento mais profundo de uma jornada Kung Fu. Por isso, algo que costumava me frustrar, é quando, de maneira displicente, algum irmão Kung Fu comentava - “É que o Pereira é mais 'ligado' nessa coisa de Genealogia!” - Ou ainda - “O Pereira gosta mais dessa parte de Genealogia, é para ele que você tem que fazer essa pergunta!”
My disciples refer to Patriarch Moy Yat as 'Si Jo (師祖),' a term that applies to any of the ancestors in our lineage, with the exception of two: Yim Ving Tsun and the nun Ng Mui. Both are called 'Jo Si [祖師].' With this, we have a seemingly unassuming switch of the order of ideograms from 'Si Jo (師祖)' to 'Jo Si [祖師],' but, in fact, in the case of the nun, her 'Jo Si [祖師]' can be understood as "originator," while in the case of Yim Ving Tsun, it can be comprehended as "founder." Therefore, the simple understanding of the term 'Jo Si [祖師]' when related to each of the two helps us see our genealogy as a list of cases, where each ancestor appears as a device for a deeper understanding of a Kung Fu journey.
Hence, something that used to frustrate me is when, in a careless manner, a Kung Fu brother would comment - "It's just that Pereira is more 'connected' to this genealogy thing!" - Or even - "Pereira likes this genealogy part more; you should ask him that question!"
Eu e dois discípulos a caminho da casa do meu Si Gung em Brasília.
(Myself and two disciples on the way to my Si Gung's house in Brasília.)
Esse tipo de comentário me frustrava porque acredito que devemos estudar para ter condições de oferecer uma visão de Kung Fu em um sentido mais amplo.Então no início da segunda metade dos anos 2000, meu Mestre Julio Camacho teve uma ideia brilhante que, graças à ajuda do Thiago Silva, se tornou realidade: um glossário da terminologia da nossa arte online em nossa intranet. Com isso, quando comecei minha carreira no Méier, quando a Si Suk Ursula não estava e alguém me perguntava o que significava algo ou como se falava um termo, eu pedia licença inventando alguma desculpa. Corria até a recepção da escola de dança onde funcionávamos, pedia ao querido Rogério para mexer no computador deles, logava na intranet, procurava o termo e voltava correndo com a resposta como se sempre a soubesse. Para mim, mesmo com o meu Si Fu falando que eu não era obrigado a ter todas as respostas, ou que poderia levá-las na aula seguinte, eu achava inadmissível não saber algo da terminologia do Sistema. E no dia em que precisei dar essa corrida à recepção em dois momentos na mesma aula, vendo o quão ridículo isso era, eu achei que era hora de decorá-la. Então, pedi ao Mestre Diego Guadelupe o documento com a lista de ideogramas que usamos e comecei uma tradução. Eu carregava uma cópia comigo com as anotações, mas acabei dando para um irmão Kung Fu. Um ano depois, graças ao Blog, meu Si Gung Leo Imamura me passou o documento da transliteração oficial, para que pudesse usar de maneira apropriada nesse Blog. Então, termos como “Si Jeh” passaram a ser “Si Je” ou mesmo “Tang Chi Sao” passava a ser escrito como “Daan Chi Sau”. E nessa jornada de decorar esses termos, percebi que eles poderiam ser muito mais do que isso: poderiam ser dispositivos para uma melhor compreensão do Sistema. Assim, minha preocupação com o uso correto dos termos persistiu, e durante um café da manhã em hotel na cidade de Salto em 2016, com a presença do meu Si Fu, Si Tai Vanise, meu irmão Kung Fu Rodrigo Moreira, meu To Dai Pedro Freire e o Si Gung, perguntei a ele publicamente como meus To Dai deveriam se referir a Si Tai Po (師太婆) Helen Moy. Si Gung parou para pensar e riu com a pergunta, parecendo estar tentando lembrar... Eu perguntei se chamar de 'Taai Taai (太太)' era uma possibilidade. Ele teria dito que sim. Naquele momento, eu fiquei feliz pois os anos de estudo pareciam ter valido a pena.
This type of comment used to frustrate me because I believe we should study to be able to offer a broader perspective on Kung Fu. So, in the early second half of the 2000s, my Master Julio Camacho had a brilliant idea that, thanks to the help of Thiago Silva, became a reality: an online glossary of the terminology of our art on our intranet. With this, when I began my career in Méier wild neighborhood, and Si Suk Ursula wasn't around, if someone asked me the meaning of something or how to say a term, I would ask for permission, making up some excuse. I would run to the reception of the dance school where we operated, ask dear Rogério to use their computer, log into the intranet, look up the term, and hurry back with the answer as if I had always known it. For me, even with my Si Fu saying that I wasn't obliged to have all the answers, or that I could bring them in the next class, I found it unacceptable not to know something from the System's terminology. On the day I had to make that run to the reception twice in the same class, realizing how ridiculous it was, I thought it was time to memorize it. So, I asked Master Diego Guadelupe for the document with the list of ideograms we used and started a translation. I carried a copy with me with notes, but I ended up giving it to a Kung Fu brother. A year later, thanks to the Blog, my Si Gung Leo Imamura gave me the official transliteration document so that I could use it appropriately on this Blog. Then, terms like "Si Jeh" became "Si Je," or even "Tang Chi Sao" was written as "Daan Chi Sau." In this journey of memorizing these terms, I realized that they could be much more than that: they could be devices for a better understanding of the System. Thus, my concern with the correct use of terms persisted, and during a breakfast at a hotel in the city of Salto in 2016, with the presence of my Si Fu, Si Tai Vanise, my Kung Fu brother Rodrigo Moreira, my To Dai Pedro Freire, and Si Gung, I asked him publicly how my To Dai should refer to Si Tai Po (師太婆) Helen Moy. Si Gung paused to think and chuckled at the question, seeming to try to remember... I asked if calling her 'Taai Taai (太太)' was a possibility. He would have said yes. At that moment, I was happy because the years of study seemed to have been worthwhile.
Eu com meu Si Fu e Si Gung na noite da minha titulação.
(Myself with my Si Fu and Si Gung on the night of my Master degree qualification.)
E dentro do "Pseudo-parentesco" [拟亲属], se meus discípulos chamam meu Si Gung de Si Taai Gung (師太公), como o meu Si Gung se referiria a eles, sendo eu seu 'to suen' [徒孫]? Nesse caso, ele os considera seus 'chang to suen' [曾徒孫]. Então, o que começou como um desafio em 1988 de apresentar à comunidade marcial do Brasil um termo tão fundamental como 'Si Fu (師父)', por parte de Si Gung com bem menos recursos, torna-se nossa missão entender a fundo a terminologia não por um gosto pessoal ou aptidão, mas por um compromisso inquebrável de oferecer nosso 100% a qualquer momento. E ter a coragem de ir buscar essa compreensão.
Antes, quando alguém me vinculava a questões conceituais, eu ficava triste, pois no fundo queria ser uma referência técnica e não conceitual. Com o tempo e a idade, eu percebi que, devido às minhas limitações, seria melhor me dedicar a oferecer o máximo de possibilidades para uma compreensão em um sentido mais amplo do Kung Fu para meus descendentes. Nessa busca, percebi que podemos entender tudo isso dentro de uma lógica Sistêmica, um verdadeiro inventário de possibilidades, a serem usados da maneira mais apropriada. Então, você não precisa mais ficar triste com suas limitações. Ao se disponibilizar com seu 100% para seus discípulos, alguns deles serão capazes de usar isso de uma maneira que você não conseguiria. Então, quem sabe através deles, você ultrapasse seus próprios limites, mesmo que não esteja mais vivo para ver isso acontecer. Basta dar sempre nosso melhor.
And within the concept of "Pseudo-parentage" [拟亲属], if my disciples refer to my Si Gung as Si Taai Gung (師太公), how would my Si Gung refer to them, considering me as his 'to suen' [徒孫]? In this case, he regards them as his 'chang to suen' [曾徒孫]. So, what began as a challenge in 1988 to introduce such a fundamental term as 'Si Fu (師父)' to the martial community in Brazil, initiated by Si Gung with far fewer resources, becomes our mission to thoroughly understand the terminology not out of personal preference or aptitude, but out of an unbreakable commitment to offer our 100% at any given moment. And to have the courage to seek that understanding.
Previously, when someone linked me to conceptual matters, I would feel saddened because deep down, I wanted to be a technical reference rather than a conceptual one. With time and age, I realized that, due to my limitations, it would be better to dedicate myself to providing the maximum possibilities for a broader understanding of Kung Fu for my descendants. In this pursuit, I understood that we can comprehend all of this within a Systemic logic, a true inventory of possibilities, to be used in the most appropriate manner. So, you no longer need to be saddened by your limitations. By offering your 100% to your disciples, some of them will be capable of using it in a way you couldn't. Thus, through them, you may surpass your own limits, even if you're no longer alive to witness it. Just continue giving your best always.
A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHOThiago Pereira "Moy Fat Lei"moyfatlei.myvt@gmail.com@thiago_moy