Então, você podia me ver ali parado perto do meio-fio, com um pé no pedal e o outro apoiado no asfalto. Ambas as minhas mãos seguravam firmes os manetes do guidão. Aquela era a parte mais alta da rua onde eu morava, a Vieira do Couto em Rocha Miranda. Ela só não era mais movimentada do que a principal, a Avenida dos Italianos. Eu estava com minha Monareta verde e vermelha novinha em folha. Tinha passado todo o domingo com meu avô pintando e reformando ela. Ele a tinha comprado de segunda mão, completamente destruída, no sábado, mas a deixou perfeita. Eu estava orgulhoso da minha bicicleta nova e achei, com os meus oito anos de idade, que já era hora de descer a Vieira do Couto pela rua, como os outros garotos faziam. Claro, minha mãe não podia saber.
Eu estava um pouco apreensivo, pois os carros desciam ali em toda a velocidade, inclusive o saudoso ônibus 919. Tomei coragem e comecei a descer... Enquanto a bicicleta ganhava velocidade e eu me perguntava se conseguiria pará-la de novo, lembro de passar a toda velocidade pela avó do Fernandinho algumas casas à frente... Não lembrava como tinha chegado ali tão rápido, e só ouvi ela falando algo relacionado à minha mãe... Meu plano era fazer um cavalo de pau no Posto Texaco, na esquina com a Avenida dos Italianos, seria o final perfeito para aquela aventura. Porém, por um momento, lembro de ter quase fraquejado e ficado com medo, pois lembrei da minha mãe. E com oito anos de idade, estava sem ela ali, estava por minha conta e risco...
So, you could see me there standing near the kerb, with one foot on the pedal and the other resting on the tarmac. Both my hands held the handlebar grips firmly. That was the highest part of the street where I lived, Vieira do Couto street in Rocha Miranda wild neighborhood. It was only less busy than the main street, Italians Avenue. I was with my brand-new green and red Monareta(and old bike). I had spent the whole Sunday with my grandfather painting and refurbishing it. He had bought it second-hand, completely wrecked, on Saturday, but he made it perfect. I was proud of my new bike and thought, at my eight years of age, that it was time to ride down Vieira do Couto street like the other boys did on the street. Of course, my mother couldn't know. I was a little apprehensive because the cars were speeding down there, including the beloved bus 919. I gathered my courage and started to descend... As the bike gained speed and I wondered if I could stop it again, I remember passing by Fernandinho's grandmother's house a few doors ahead at full speed... I didn't remember how I had got there so quickly, and I only heard her saying something related to my mother... My plan was to do a U-turn at the Texaco Gas Station, on the corner with Italians Avenue, it would be the perfect end to that adventure. However, for a moment, I remember almost faltering and getting scared, because I remembered my mother. And at eight years old, I was without her there, I was on my own...
Eu estava bem nervoso quando peguei a caneta para assinar o contrato com a nova organização fundada pelo Grão Mestre Leo Imamura sob o nome de "Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group", que tem a anuência do Grão Mestre William Moy representando toda a Família Moy. Parecia que eu estava sonhando; precisei de algumas folhas até fazer a tinta sair apropriadamente. Sabe, eu não sou muito de ficar sorrindo em momentos assim já tem um tempo. A função de "Si Fu" me ajudou a entender a responsabilidade em um nível que não imaginei que pudesse existir, e eu mal comecei essa jornada. A maneira como as pessoas confiam em você e em seu trabalho exige que você se dedique para retribuir a confiança que as pessoas depositam em você, além de ser o compromisso que você assume como legante desta Linhagem. Para isso, é necessário doar muito do seu tempo de vida. Eu não tinha me dado conta, quando toquei em meu "Jiu Paai" em Agosto de 2015, que nele vinha inscrito "Moy Yat Ving Tsun", a denominação que é o compromisso progressivo de provimento de Vida Kung Fu como modo de transmissão do Sistema Ving Tsun. Então é como se, para favorecer um melhor entendimento do praticante do que é a Dimensão Kung Fu, você precisasse se disponibilizar para momentos mais próximos de situações do cotidiano nas quais esse praticante pudesse decidir quais respostas seriam mais apropriadas a cada contexto. Então eu não sorri enquanto assinava aqueles papéis, pois intuía a responsabilidade em fazer parte de um grupo que tem um propósito muito claro e direto e que me tocou muito: A salvaguarda do Sistema Ving Tsun. Eu me senti, em determinado momento, em um limbo institucional, algumas coisas já não me eram mais compreensíveis. Talvez fosse esperado que eu começasse minha própria instituição também, como um sinal de independência, quem sabe. Mas algo no meu coração me dizia que eu ainda tinha muito a aprender e que, baseado no que havia aprendido em todos esses anos na minha jornada Kung Fu, eu necessitava de orientação e me permanecer unido a Linhagem era o caminho correto. Não sabia explicar em palavras, mas não via valor no protagonismo. O Ving Tsun mudou minha vida, e eu gostaria, como Si Fu, de dar essa oportunidade a meus discípulos também. Não era apenas por saber que sozinho não conseguiria, mas de entender que não havia porque atuar sozinho. Foi quando, em algum momento, ouvi em oportunidades diferentes, duas falas dentre tantas do Grão Mestre Leo Imamura que me marcaram profundamente, sobre a função de um Si Fu. A primeira delas, talvez para um Si Fu medíocre como eu, seria algo como - " ...A função de um Si Fu é se tornar um especialista em seus discípulos..." - Ouvir aquilo foi muito importante. Mais tarde, ele teria dito algo sobre um Si Fu de alto nível - "O trabalho do Si Fu é se tornar dispensável" - E eu pensei: "Um dia, meu trabalho vai ser digno de me fazer dispensável" - Eu determinei aquilo. Finalmente, eu me sentia com um norte para seguir; no meu coração não haviam mais dúvidas, não estava mais sozinho na jornada como Si Fu. Agora existem outros com a mesma responsabilidade e a vontade de estudar.
I was quite nervous when I picked up the pen to sign the contract with the new organization founded by Grandmaster Leo Imamura under the name of "Moy Yat Ving Tsun Safeguard Group," which has the approval of Grandmaster William Moy representing the entire Moy Family. It felt like I was dreaming; it took a few attempts until the ink came out properly. You know, I haven't been one to smile much in moments like these for quite some time. The role of "Si Fu" helped me understand the responsibility at a level I never imagined could exist, and I've only just begun this journey. The way people trust you and your work demands that you dedicate yourself to reciprocate the trust they place in you, in addition to being the commitment you assume as part of this lineage. For that, it requires giving much of your lifetime. I hadn't realized, when I touched my "Jiu Paai" in August 2015, that it bore the inscription "Moy Yat Ving Tsun," the denomination that is the progressive commitment to providing Kung Fu Life as a way of transmitting the Ving Tsun System. So it's as if, to facilitate a better understanding for the practitioner of what the Kung Fu Dimension is, you need to make yourself available for moments closer to everyday situations in which the practitioner can decide which responses would be most appropriate for each context. So I didn't smile as I signed those papers because I sensed the responsibility of being part of a group that has a very clear and direct purpose that touched me deeply: The safeguarding of the Ving Tsun System. I felt, at some point, in an institutional limbo, some things were no longer understandable to me. Perhaps it was expected that I would start my own institution as well, as a sign of independence, who knows. But something in my heart told me that I still had much to learn and that, based on what I had learned in all these years on my Kung Fu journey, I needed guidance and remaining united with the Lineage was the right path. I couldn't explain it in words, but I didn't see value in protagonism. Ving Tsun changed my life, and I would like, as Si Fu, to give my disciples that opportunity as well. It wasn't just knowing that I couldn't do it alone, but understanding that there was no reason to act alone. That was when, at some point, I heard in different opportunities, two speeches among many from Grandmaster Leo Imamura that deeply marked me, about the role of a Si Fu. The first of them, perhaps for a mediocre Si Fu like me, would be something like - "...The role of a Si Fu is to become an expert in his disciples..." - Hearing that was very important. Later, he would have said something about a high-level Si Fu - "The Si Fu's job is to become dispensable" - And I thought: "One day, my work will be worthy of making me dispensable" - I determined that. Finally, I felt a direction to follow; in my heart, there were no more doubts, I wasn't alone anymore on the journey as Si Fu. Now there are others with the same responsibility and the desire to study.
Quando fiz o cavalo de pau no chão do posto Texaco, uma voz me advertiu que aquilo estragaria a bicicleta. Eu simplesmente não me importava! Eu havia descido a Vieira do Couto pela rua com minha Monareta, agora nada me separava dos outros garotos. Eu sabia que a avó do Fernandinho contaria para minha mãe, como ela acabou fazendo. Eu virei o assunto da rua durante seis meses, minha mãe ameaçou tomar minha bicicleta com minha avó dando razão, meu pai falou um palavrão e começou a lavar louça como fazia quando ficava nervoso. E só uma única pessoa me disse algo que nunca esqueci: "Desceu com o dedo no freio né?" - Disse meu avô complementando - "Sempre pedala com o dedo no freio" - Aí ele fez um sinal como quem diz: "bico fechado".
Ao assinar o contrato, lá estava eu, descendo uma nova ladeira por minha conta e risco, sabendo que todas as possibilidades estão em jogo, inclusive de não acontecer nada ou de acontecer algo muito ruim. Mas nós, que somos do "Mo Lam", nos preparamos para a morte durante todos os anos de nossas vidas, pois aprendemos em algum momento que - "A vida é um privilégio" - Como diz Si Gung, e não um direito. Dessa vez, não será "o dedo no freio" que meu avô orientou, será o Programa de Salvaguarda, e o final não será um cavalinho de pau no posto Texaco; será a possibilidade de um dia , me tornar dispensável.
Eu nunca desisti!
When I did the wheelie in the Texaco gas station's ground, a voice warned me that it would damage the bicycle. I simply didn't care! I had ridden down Vieira do Couto street with my Monareta, now nothing separated me from the other boys. I knew Fernandinho's grandmother would tell my mother, as she eventually did. I became the talk of the street for six months; my mother threatened to take my bike away with my grandmother siding with her, my father swore and started washing dishes as he did when he got nervous. And only one person said something that I never forgot: "Did you ride with your finger on the brake?" - My grandfather said, adding - "Always pedal with your finger on the brake" - Then he gestured as if to say, "keep quiet".
When I signed the contract, there I was, riding down a new slope at my own risk, knowing that all possibilities were at stake, including nothing happening or something very bad happening. But we, who are of the "Mo Lam", prepare ourselves for death throughout all the years of our lives, as we learn at some point that - "Life is a privilege" - As Si Gung says, and not a right. This time, it won't be "the finger on the brake" that my grandfather advised, it will be the Safeguard Program, and the ending won't be a wheelie at the Texaco gas station; it will be the possibility of one day, becoming dispensable.
I never gave up!
A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHO
Master Thiago Pereira
Master Thiago Pereira
Leader of Moy Fat Lei Family
moyfatlei.myvt@gmail.com
@thiago_moy
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