Almoço em restaurante tradicional coreano com o artista Ki H. Choi e alguns de meus discípulos.
(Traditional Korean restaurant lunch with artist Ki H. Choi and some of my disciples.)
Quando tinha vinte e três anos, costumava visitar a casa dos meus avós uma ou duas vezes na semana. Meu avô estava com câncer, e eu sabia que esses momentos logo chegariam ao fim. Não importava quantas vezes ouvisse uma história; eu a tratava como se fosse sempre a primeira vez. Em uma dessas tardes, assisti a um episódio do programa 'Miami Ink', que narrava o dia a dia de um estúdio de tatuagens em Miami. Cada episódio me fascinava cada vez mais por essa arte. Decidi que faria uma, sabendo que seria um Horimono[彫り物] que cobriria os braços e as costas, mas ainda não tinha nenhuma ideia clara da imagem.
Nos anos seguintes, fui coletando imagens de referência com muita paciência. Em 2017, consultei o Mestre Marcello Abreu durante um evento em São Paulo. Antes de sairmos para jantar, ele me ajudou a tratar o tema com ainda mais seriedade. Finalmente, em 2021, eu tinha a arte que queria e havia encontrado um tatuador chileno que estava passando uma temporada no Rio, no estúdio de um conhecido na Zona Sul da cidade. No entanto, cometi uma grande desfeita nessa oportunidade. Levei a arte pronta e pedi que ele fizesse exatamente igual. Por isso, mesmo ao final da última sessão, já com um bom relacionamento, ele teria dito: “Hermano, da próxima vez, deixa o artista fazer a arte dele”. Eu estava feliz com minha tatuagem, mas era como se tivesse levado um soco na barriga. “Quantos interessados no Ving Tsun já não apareceram querendo quase dizer como a aula deveria ser?” - Pensei. E lá estava eu fazendo o mesmo. Guardei aquela orientação com sinceridade.
When I was twenty-three years old, I used to visit my grandparents' house once or twice a week. My grandfather had cancer, and I knew those moments would soon come to an end. No matter how many times I heard a story, I treated it as if it were always the first time. One of those afternoons, I watched an episode of the 'Miami Ink' program, which depicted the daily life of a tattoo studio in Miami. Each episode fascinated me more and more about this art. I decided I would get one, knowing it would be a Horimono[彫り物] covering my arms and back, but I still had no clear idea of the image.In the following years, I collected reference images with a lot of patience. In 2017, I consulted Master Marcello Abreu during an event in São Paulo. Before going out for dinner, he helped me treat the subject even more seriously. Finally, in 2021, I had the art I wanted and had found a Chilean tattoo artist who was spending some time in Rio, at a studio belonging to an acquaintance in the South Zone of the city. However, I made a big mistake on this occasion. I brought the finished art and asked him to do exactly the same. Therefore, even at the end of the last session, with a good relationship already established, he would have said, 'Hermano, next time, let the artist do his art.' I was happy with my tattoo, but it felt like I had taken a punch in the stomach. 'How many Ving Tsun enthusiasts have shown up wanting to almost dictate how the class should be?' - I thought. And there I was doing the same. I took that guidance sincerely.
Caminhada com Ki H. Choi no bairro coreano de São Paulo.
(Walk with Ki H. Choi in the Korean district of São Paulo.)
Eu ouvi certa vez que “Um coração sincero atrai pessoas sérias” - E talvez tenha sido assim com o excepcional artista Ki H. Choi [foto acima à direita]. O conheci por acaso em uma viagem a São Paulo com meu discípulo Daniel Eustáquio, e decidi que faria a continuação das tatuagens com ele. Diferente da primeira vez, apenas disse onde queria, o tamanho e a imagem. Todo o resto deixei por conta dele, inclusive o número de sessões necessárias. Estava acompanhado pelo Daniel na primeira sessão, e enquanto os primeiros traços eram feitos, muito por mérito do Ki, a conversa se desenrolava. Sabe, meu Mestre Julio Camacho é um especialista em criar rapidamente vínculos especiais com as pessoas, mas essa é uma habilidade na qual preciso me dedicar mais. Ainda assim, graças ao Ki, conseguimos conversar não apenas sobre a cultura de seu país de origem, mas também saber melhor sobre as convicções um do outro. Ki era uma pessoa com uma carreira de tradutor já consolidada e abriu mão para responder à sua vocação como artista. Naquele momento, nos conectamos, pois assim como eu, Ki também trabalha no ramo da “emoção”, que é todo aquele que você não tem precisão de como será o próximo mês e o mês depois desse. São ramos nos quais você precisa “ter estômago”, como diz o Grão-Mestre Leo Imamura..
I heard once that "A sincere heart attracts serious people" - and perhaps it was like that with the exceptional artist Ki H. Choi [photo above to the right]. I met him by chance on a trip to São Paulo with my disciple Daniel Eustáquio, and I decided to continue the tattoos with him. Unlike the first time, I just told him where I wanted it, the size, and the image. Everything else I left up to him, including the number of necessary sessions. Daniel accompanied me in the first session, and as the first strokes were made, much to Ki's credit, the conversation unfolded. You know, my Master Julio Camacho is an expert at quickly creating special bonds with people, but that's a skill I need to dedicate more to. Still, thanks to Ki, we managed to talk not only about the culture of his home country but also to learn more about each other's convictions. Ki was a person with a well-established career as a translator and gave it up to respond to his calling as an artist. At that moment, we connected, as, like me, Ki also works in the realm of "emotion," which is everything you can't predict about the next month and the month after that. These are fields where you need to "have a stomach for it," as Grandmaster Leo Imamura says.
Ki me explica sobre o significado da próxima tatuagem que farei.
(Ki explains to me about the meaning of the next tattoo I will get.)
Nós, da Linhagem Moy Yat, baseamos a jornada de alguém no Kung Fu através do “Sam Faat” [心法]. O Patriarca Moy Yat traduziu como “Vida Kung Fu” e certa vez explicou o termo da seguinte maneira: “... Voltemos ao que é a 'vida kung fu'... 'Vida kung fu' significa ter kung fu em sua vida. Então, como você encontra uma vida com kung fu nela? Você precisa encontrar alguém que esteja no campo do kung fu por tempo suficiente, e cuja vida seja 'vida kung fu'....”
“Kung Fu” [功夫] possui algumas interpretações muito rasas, porém, meu sinólogo favorito, o Professor François Jullien, diz que “... 'Kung Fu' [功夫] é o acúmulo do esforço, que com o tempo traz benefícios por si próprio e que chegam por si próprio... ”.
Estar em guarda durante uma luta não quer dizer muita coisa. Ainda que algumas pessoas assumam uma postura de guarda, mas mentalmente não estejam mesmo durante uma luta. O que buscamos é que, mesmo enquanto tomamos um sorvete [foto acima], a atenção do praticante esteja afiada. Ainda que tomar um sorvete seja algo comum, nós somos apreciadores do comum, para que, por meio das atividades mais simples, possamos conseguir aprimorar nosso 'Kung Fu' [功夫].
Com o Ki, percebi que ele sempre está com a mente muito afiada. Mesmo enquanto está tatuando, ele consegue checar a coerência do que está sendo dito e perguntar sobre isso com muita precisão. Eu pude ver pela sua conduta que sua dedicação lhe trouxe uma vida com 'Kung Fu' [功夫].
We, from the Moy Yat Lineage, base someone's journey in Kung Fu through "Sam Faat" [心法]. Patriarch Moy Yat translated it as "Kung Fu Life" and once explained the term as follows: "..., Go back to what is kung fu life… Kung fu life it means like the life you have kung fu in. Then, how you find a life with kung fu in it? Then you have to find a person who be in the kung fu field long enough, and his life is kung fu life....."
"Kung Fu" [功夫] has some very shallow interpretations, but my favourite sinologist, Professor François Jullien, says that "... 'Kung Fu' [功夫] is the accumulated effort, the time, reverts itself and arrives by itself... ".
Being on guard during a fight doesn't mean much. Even though some people may assume a guard stance, mentally they may not be fully engaged during a fight. What we aim for is that even while having an ice cream [photo above], the practitioner's attention is sharp. Although having an ice cream is something common, we appreciate the common, so that through the simplest activities, we can enhance our 'Kung Fu' [功夫].
With Mr. Ki, I noticed that his mind is always sharp. Even while tattooing, he can check the coherence of what is being said and ask about it with great precision. I could see from his conduct that his dedication has brought him a life with 'Kung Fu' [功夫].
Sorvete no bairro coreano de São Paulo para encerrar a tarde.
(Ice cream in the Korean district of São Paulo to end the afternoon.)
Graças ao que meu Mestre me transmitiu, consegui criar esse vínculo com esse artista excepcional, ao ponto de ser convidado pelo mesmo para um almoço em um restaurante tradicional coreano (primeira foto no topo) no bairro coreano de São Paulo. Consegui então organizar esse almoço para que o máximo de discípulos pudessem estar presentes, prestigiando o que o Ki tinha a mostrar objetivamente e subjetivamente, e pudessem ter 'Vida Kung Fu' [心法] com ele. Ao final, ele nos levou para tomarmos um sorvete, e na oportunidade foi possível falar um pouco da tatuagem para o meu outro braço. Além disso, ele também pôde compartilhar sobre termos e como funciona a sucessão de alguns Mestres de Horimono [彫り物] e o título que eles recebem. Nessa ocasião, ele também falou de seus próprios anseios nesse mundo. A comida, o sorvete e a companhia estavam ótimos, mas fiquei feliz por poder proporcionar esses momentos aos meus discípulos que me acompanhavam. Existem pessoas com 'Kung Fu' [功夫] ao nosso redor o tempo todo em nosso dia a dia. Aqueles com alto nível como o Ki H. Choi escasseiam. Por isso, todos saíram de lá com uma marca em seus corações. Foi uma grande tarde.
Thanks to what my Master passed on to me, I managed to establish this connection with this exceptional artist, to the point of being invited by him to lunch at a traditional Korean restaurant (first photo at the top) in the Korean district of São Paulo. I was able to organize this lunch so that as many disciples as possible could be present, appreciating what Ki had to show objectively and subjectively, and could experience 'Kung Fu Life' [心法] with him. In the end, he took us for ice cream, and on that occasion, it was possible to talk a bit about the tattoo for my other arm. Additionally, he could also share about terms and how the succession of some Horimono Masters works and the titles they receive. On this occasion, he also spoke about his own aspirations in this world. The food, the ice cream, and the company were great, but I was happy to provide these moments for my disciples who were accompanying me. There are people with 'Kung Fu' [功夫] around us all the time in our daily lives. Those with a high level like Ki H. Choi are scarce. So, everyone left with a mark on their hearts. It was a great afternoon.
A DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHOThiago Pereira "Moy Fat Lei"moyfatlei.myvt@gmail.com@thiago_moy