Na foto acima, é possível ver meu Si Fu Julio Camacho ainda bem jovem, executando o “Siu Nim Tau” na então chamada sede mundial da Moy Yat Ving Tsun em Nova York. Se observarmos ao fundo, poderemos observar um quadro com um frame preto, fundo vermelho, e algumas figuras em primeiro plano...
Nos últimos meses, venho fazendo uma série de reflexões tendo em vista que a minha Família Kung Fu já está vivenciando seu oitavo ano. Mesmo em tão pouco tempo, carrego alguns muitos pesares no coração, devido ao trabalho que realizei com alguns alunos ao longo desses anos e que tenho certeza de que hoje poderia entregar algo melhor. É claro, que existe uma parte que é da pessoa e do seu desejo de continuar, mas da parte que posso cuidar que é a minha, não é que não tentasse entregar o meu melhor, eu não sabia como faze-lo. Eu era bem mais ignorante.
Quando você é um Si Fu inexperiente, você acaba aceitando membros em sua Família sem refletir o suficiente, para saber se você tem a disponibilidade suficiente para entregar o que aquela pessoa busca. Essa “busca” pode ser por exemplo um desejo inabalável de entender cada vez mais um determinado aspecto da Jornada Kung Fu, sem dar muito atenção a tantos outros. Sobre casos como esse, fiquei me perguntando o quanto sem perceber no início da minha carreira, direcionava e afunilava a atenção da pessoa para um determinado ponto que era importante para mim e não para ela. Com isso, eu não percebia e não ajudava a desenvolver a vocação da pessoa.
In the photo above, you can see my Si Fu Julio Camacho still very young, performing the "Siu Nim Tau" in the so-called world headquarters of Moy Yat Ving Tsun in New York. If we look at the background, we can see a black frame, red background, and some figures in the foreground...
In recent months, I've been making a series of reflections considering that my Kung Fu Family is already experiencing its eighth year. Even in such a short time, I carry a lot of regrets in my heart, due to the poor work I've done with some students over these years and which I'm sure could deliver something better today. Of course, there is a part that belongs to the person and their desire to continue, but the part that I can take care of, which is mine, is not that I didn't try to give my best, I didn't know how to do it. I was more ignorant.
When you are an inexperienced Si Fu, you end up accepting members into your Family without reflecting enough to know if you have enough availability to deliver what that person is looking for. This “search” can be, for example, an unshakable desire to understand more and more a certain aspect of the Kung Fu Journey, without paying much attention to so many others. About cases like this, I was wondering how much, without realizing it at the beginning of my career, I directed and funneled the person's attention to a certain point that was important to me and not to them. With that, I didn't understand and could not develop the person's vocation.
Em meados dos anos 2010, meu Mestre Julio Camacho recebe de presente o mesmo quadro, das mãos do próprio Grão Mestre William Moy[foto]. Sobre essa passagem, Si Fu não soube me dizer a razão de ter recebido esse presente tão especial. Anos depois, perguntei ao próprio Grão Mestre William a razão de ter dado esse presente. A mim, ele disse rindo que lembrava do quadro, mas não o que o fez dá-lo a meu Si Fu. No quadro, podemos ver alguns motivos que representam lealdade. A deidade que é representada no centro, é reconhecida por muitos, como o símbolo máximo de lealdade na cultura chinesa.
Falando sobre “lealdade”, eu cometi o grande erro de entende-la como um “caminho de mão única” por muitas vezes. Sempre a visualizei “do mais novo para o mais antigo”. Revisitando a minha breve jornada como Si Fu, pensei em vários momentos sobre o quanto estava me permitindo ser seguido como “indivíduo” e não como “o representante de uma Linhagem”. Afinal, quantas vezes já refletimos que um irmão Kung Fu querido, nunca seria nosso amigo caso não fosse a Família Kung Fu? Então, mesmo meu irmão Kung Fu Vladimir nascido em '69 é meu super amigo, mesmo eu tendo nascido em '83. Será que seríamos tão próximos se não fosse a Família Kung Fu?
Pensando assim, nos últimos dois anos resolvi repensar o que entendia por “lealdade”. Resolvi passar a estudar mais e a pensar em como me tornar o mais neutro possível, de maneira que a minha presença na relação não sobreponha a relação do discípulo com o Sistema. Talvez isso para mim, seja uma maneira de ser leal com quem fez o “Baai Si” com o representante do Sistema que por acaso, era o Si fu que a pessoa escolheu.
In the mid-2010s, my Master Julio Camacho received the same frame as a gift, from the hands of Grand Master William Moy[photo above]. About this passage, Si Fu could not tell me the reason for having received such a special gift. Years later, I asked Grand Master William himself why he had given this gift. To me, he said laughing that he remembered the frame, but not what makes him give it to my Si Fu. On the frame, we can see some motives that represent loyalty. The deity that is represented in the center is recognized by many as the ultimate symbol of loyalty in Chinese culture.
Talking about “loyalty”, I made the big mistake of understanding it as a “one-way street” many times. I've always viewed it "from newest person to oldest person". Revisiting my brief journey as Si Fu, I thought at various times about how much I was allowing myself to be followed as an “individual” and not as “the representative of a Lineage”. After all, how many times have we reflected that a dear Kung Fu brother would never be our friend if it weren't for the Kung Fu Family? So, even my Kung Fu brother Vladimir born in '69 is my super friend, even though I was born in '83. Would we be so close if it weren't for the Kung Fu Family?
Thinking like this, in the last two years I decided to rethink what I understood by “loyalty”. I decided to start studying more and thinking about how to become as neutral as possible, so that my presence in the relationship does not overlap the disciple's relationship with the System. Maybe that for me is a way of being loyal to the one who did the “Baai Si” with the representative of the System who, by chance, was the Si fu that the person chose.
Meu Si Fu me educou a não ser um apreciador de “surpresas”, porém, ele mesmo me fez uma surpresa quando me presenteou com o mesmo quadro que um dia esteve na sede mundial, e que mais tarde ele recebeu do Grão Mestre William, meu Si Baak Gung. Hoje o quadro está disposto em local de destaque em meu Mo Gun[foto acima a direita]. E ele foi me dado, por ocasião de uma Cerimonia que ocorria no final dos primeiros seis meses de existência da minha Família. Si Fu teria falado com o quadro em mãos, que a entrega do mesmo reconhecia de certa forma a lealdade que eu sempre tive para com ele.
Por muitos anos, esse quadro ficou na parede e eu pensava em “lealdade” todas as vezes que o via. É como você ter o quadro do Patriarca Moy Yat na parede, mas não ser integrado a Linhagem de fato. Então, é apenas um quadro pendurado na parede.
Existe um tipo de cuidado que é pontual. É aquele que um discípulo mais usa e o que mais usamos em nosso dia a dia. Fazemos uma coisa por alguém, e achamos que não precisamos fazer mais. Em último caso, inclusive lembramos a pessoa o que já fizemos. Existe porém, um outro tipo de “cuidado” que é “constante”, pois ele nunca cessa. Esse é um “cuidado” que aqueles que conseguem realizá-lo, escasseiam. Não é apenas um “cuidado” que acontece no “automático” ,por necessidade ou por inocência. É um “cuidado” que você escolhe promover todos os dias.
Acho que talvez o mesmo aconteça com a “lealdade”. Nos dois sentidos. Todos os dias.
My Si Fu educated me not to be a fan of "surprises", however, he himself surprised me when he presented me with the same frame that one day was at the world headquarters, and that he later received from Grand Master William, my Si Baak Gung. Today the frame is displayed in a prominent place in my Mo Gun [photo above right]. And it was given to me, on the occasion of a Ceremony that took place at the end of the first six months of my Family's existence. Si Fu would have said with the frame in hand, that the delivery of it recognized in a way the loyalty that I always had to him.
For many years this frame hung on the wall and I thought of “loyalty” every time I saw it. It's like having Patriarch Moy Yat's photo on the wall, but not actually being an active part of the Lineage. So it's just a picture hanging on the wall.
There is a type of care that is punctual, it is what a disciple uses most and what we use most in our daily lives. We do one thing for someone else, and we think we don't need to do more. As a last resort, we even remind the person what we have already done. There is, however, another type of “care” that is “constant” because it never ceases. This is a “care” that those who manage to carry it out are scarce. It is not just a “care” that happens “automatically”, out of necessity or out of innocence. It is a “care” that you choose to have every day.
I think maybe the same thing happens with “loyalty”. In both directions. Every day.