[Encontro com Si Hing Cledimilson para matar a saudade]
[Drinking some beer with Si Hing Cledimilson after a long time]
Rio de Janeiro, 20 anos atrás...
Quando tinha dezesseis anos, eu frequentava o Mo Gun usando minha bicicleta preta. Meu amigo Rafael Azevedo havia me dado um Discman de presente, e eu colocava ele na minha mochila. O desafio era correr com a bicicleta o máximo que pudesse, sem deixar a música pular. Eu tinha alguns CD´s de trilhas sonoras de Animes que comprava em eventos, e ouvia enquanto corria com ela saindo do bairro do Pechincha até o Tanque, onde o Mo Gun ficava. Acontece que toda aquela adrenalina se esvaia assim que a prática começava. Eu simplesmente havia “resistido bravamente” ao “Siu Nim Tau” e agora lá estava eu fazendo o “Cham Kiu”. Eu achava tudo muito parado, não entendia o Chi Sau, ninguém me dizia muita coisa, as práticas eram quase que em silencio. Finalmente, Si Fu colocou uma caixa de sugestões na entrada do Mo Gun - “Precisa ter mais luta”- Foi o que eu escrevi. Mais tarde, descobri que a única sugestão havia sido a minha, e por conta da minha letra de criança, fui rapidamente descoberto. Eu então comecei a faltar por dois meses. Literalmente, eu chegava até a porta do Mo Gun com minha bicicleta preta e discman, olhava... Pensava...E ia embora... Minha mãe então perdeu a paciência e já não queria mais pagar a mensalidade. Si Suk Ursula marcou uma reunião com ela, eu e o Si Fu. Si Fu preocupava-se apenas com uma coisa: “Você ainda tem interesse em praticar?”- Ele me perguntou olhando diretamente em meus olhos, basicamente ignorando minha mãe. Eu disse que sim, mas não sabia como a experiência poderia ser diferente de antes. É que eu mal sabia, que um homem mudaria minha trajetória a partir dali...Rio de Janeiro, 20 years ago...
When I was sixteen years old, I used to go to Mo Gun on my black bike. My friend Rafael Azevedo had given me a Discman as a gift, and I put it in my backpack. The challenge was to ride the bike as much as possible without letting the music jump. I had some CDs of Anime soundtracks that I bought at events, and I listened to them as I ride the bike from the Pechincha neighborhood to the Tanque, where Mo Gun was located. It turns out that all that adrenaline drains as soon as the practice begins. I had simply "bravely resisted" the "Siu Nim Tau" and now here I was doing "Cham Kiu". I thought everything was very still, I didn't understand Chi Sau, nobody told me much, the practices were almost silent. Finally, Si Fu put a suggestion box at Mo Gun's entrance - "We need to have more combat practices" - That's what I wrote. Later, I found out that the only suggestion was mine, and because of my childish handwriting, I was quickly discovered. I then started skipping classes for two months. Literally, I would come to the door of Mo Gun with my black bike and discman, look the stairs... I would think... And leave... My mother then lost patience and no longer wanted to pay the monthly fee. Si Suk Ursula arranged a meeting with her, me and Si Fu. Si Fu was only concerned with one thing: "Are you still interested in practicing?"- He asked me looking directly into my eyes, basically ignoring my mother. I said yes, but I didn't know how the experience could be any different from before. It's just that I barely knew, that a man would change my trajectory from there...
[Aula remota de Cham Kiu com Si Fu via ZOOM]
[Remote class with Si Fu about Cham Kiu]
Rio de Janeiro, dias de hoje.
Vinte anos haviam se passado dos dias de grandes aventuras do Domínio “Cham Kiu” e das idas ao Mo Gun com minha bicicleta e Discman. Estávamos num encontro remoto com Si Fu via ZOOM, e eu observava ele falar do “Cham Kiu”. Si Fu levantou-se e fez questão de mostrar aos praticantes deste nível, a ideia de distribuir o peso adequadamente. Porém, ao observar o Si Fu falando, cheguei a me emocionar em certo momento. Si Fu mais do que distribuir o peso antes de girar o “Ma” na primeira parte da sequencia, mostrava como criava tendências gerando o vazio a ser preenchido pelo giro. Observando ele fazer aquilo com o corpo, pude apreciar do que se trata ser um Mestre: Cada ação expressa quem você é e como você pensa. Por muitas vezes discordei da maneira que o Si Fu estava gerenciando as atividades no então Núcleo Barra, e ele acreditava no “vazio” que estava deixando para ser preenchido. Estávamos em 2015, mas vendo hoje a união da Família Moy Jo Lei Ou em torno de nomes impensáveis naquela época como Claudio e Maria Alice, fiquei muito tocado vendo o Si Fu fazer o mesmo enquanto mostrava o “Cham Kiu”, com seu próprio corpo.
Rio de Janeiro, nowadays
Twenty years had passed from the days of the high adventures of the Domain “Cham Kiu” and going to Mo Gun with my bike and Discman. We were on a remote meeting with Si Fu via ZOOM, and I watched him talk about “Cham Kiu”. Si Fu stood up and made a point of showing practitioners of this level the idea of distributing the weight properly. However, watching Si Fu speaking, I got emotional at one point. Si Fu, more than distributing the weight before turning the “Ma” in the first part of the form, showed how it created trends generating the void to be filled by the turn. Watching him do that with his body, I could appreciate what being a Master is all about: Every action expresses who you are and how you think. I often disagreed with the way Si Fu was managing the activities at the then MYVT Barra School, and he believed in the “emptyness” he was leaving to be filled. We were in 2015, but seeing today the union of the Moy Jo Lei Ou Family around unthinkable names at that time like Claudio and Maria Alice, I was very touched seeing Si Fu do the same while showing “Cham Kiu”, with his very own body.
[O emcoionante dia que Si Hing Cledimilson retornou a prática]
[The great day when Si Hing Cledimilson returned to practice]
Rio de Janeiro, 20 anos atrás...
Si Hing Cledimilson era um cara que eu só havia visto nas fotos do painel de membros do Mo Gun. Misteriosamente um dia ele estava lá para me receber para me dar minha sessão de “Cham Kiu”... E assim nas semanas seguintes. Ele era um cara grande e com um jeito de “casca-grossa”, eu era um moleque magro e com o rosto fundo. Ele mantinha um semblante sério, e quando começamos a praticar, tudo se transformou. De fato, me emociona neste momento escrever essas linhas, todas as imagens daqueles dias vem facilmente em minha memória. Só ficávamos nós dois naquele horário da noite de algum dia da semana entre 2001 e 2002, o Si Hing “brincava” comigo e eu nada podia fazer. Quando ele golpeava, eu sentia uma dor seca... Não dá pra descrever a sensação de levar um golpe bem encaixado... Quando eu golpeava com aquelas minhas mãozinhas, ele ria [quase caçoando] enquanto rolavámos os braços e me instigava: “Pode golpear forte! Sei que você gosta de golpear forte!” - Eu então ria involuntariamente, depois forçava as sombrancelhas me concentrando para acertá-lo com mais força. Meus golpes eram anulados quando tocavam seu torax. Com qualquer outra pessoa, eu teria ficado bem chateado em não estar conseguindo fazer o que queria, mas com o Si Hing Cledimilson isso não acontecia. Fui tocado pelo seu carisma, e com isso, nunca mais faltei as práticas do “Cham Kiu”, chegando aos dezoitos anos [dois anos depois do início do Cham Kiu] ao Domínio “Biu Ji”. Nada do que aconteceu depois, teria sido possível sem ele....
Rio de Janeiro, 20 years ago...
Si Hing Cledimilson was a guy I had only seen in the Mo Gun member panel photos. Mysteriously one day he was there to welcome me to give me my “Cham Kiu” session… And so on for the next few weeks. He was a big guy with a “badass” look, I was a skinny kid with a deep face. He kept a serious face, and when we started practicing, everything changed. In fact, it moves me right now to write these lines, all the images from those days come easily into my memory. We were just the two of us at that time of night someday of the week between 2001 and 2002, Si Hing “played” with me and I couldn't do anything. When he hit me, I felt a dry pain... I can't describe the feeling of taking a well-done punched... When I hit with those little hands of mine, he laughed [almost mocking] as we rolled our arms and urged me on: “ You can punch harder! I know you like to punch harder than that!" - I laughed involuntarily then, then forced my eyebrows concentrating to punch him harder. My punches were canceled when they touched his chest. With anyone else, I would have been pretty upset that I couldn't do what I wanted, but with Si Hing Cledimilson that didn't happen. I was touched by his charisma, and with that, I never missed the “Cham Kiu” practices again, reaching the age of eighteen [two years after the beginning of Cham Kiu] to the “Biu Ji” Domain. Nothing that happened after would have been possible without him....
[Eu, Si Hing Cledimilson, Si Hing Leo e Si Fu]
[Si Hing Cledimilson, Si Hing Leo , Si Fu and I]
Rio de Janeiro, dias de hoje.
Ao observar Si Fu ontem executando o “Cham Kiu” vinte anos depois de quando comecei a aprende-lo e quase desisti, percebi que o “vazio” que me havia sido oferecido naqueles tempos, era demais para mim. E pude entender a importância do que Si Fu diz - “É só ficar junto!” - Pois se naquele momento, naquela reunião com ele e minha mãe eu tivesse respondido que não queria mais praticar. Como as coisas teriam sido ? Difícil saber.
Vendo Si Fu fazer o Cham Kiu ontem, entendi a importância da “espera estratégica”, tão importante neste Domínio do Sistema Ving Tsun. Nem tudo, caberá a nós resolver. Muitas das vezes, precisaremos ter a determinação suficiente para criar a tendencia, que vai gerar o vazio e esperar que ele mesmo se preencha a seu tempo...
Sobre o Si Hing Cledimilson, nunca sabemos de fato o quanto alguém nos marcou. Ele parecia aguentar todos os golpes. Seguindo seu exemplo, tento fazer o mesmo até hoje.
Rio de Janeiro, nowadays.
Watching Si Fu yesterday performing “Cham Kiu” twenty years after I started to learn it and almost gave up, I realized that the “emptiness” that had been offered to me in those times was too much for me. And I could understand the importance of what Si Fu says - "Just stay together!" - Well, if at that moment, in that meeting with him and my mother, I had replied that I no longer wanted to practice. How would things have been? Hard to know.
Watching Si Fu do Cham Kiu yesterday, I understood the importance of “strategic waiting”, so important in this Domain of the Ving Tsun System. Not everything will be up to us to solve. Often, we will need to have enough determination to create the trend, which will generate the void and wait so it fills itself in time...
About Si Hing Cledimilson, we never really know how much someone has marked us. He seemed to take every hit and be cool with that. Following his example, I try to do the same to this day.
THE DISCIPLE OF MASTER JULIO CAMACHOThiago Pereira “Moy Fat Lei”
moyfatlei.myvt@gmail.com