Nas últimas semanas, pude fazer algo que me deixou muito feliz: trabalhar diretamente com cada discípulo ou To Dai que se interessou em revisar um determinado Domínio do Sistema Ving Tsun comigo. Com a celebração do meu aniversário se aproximando, entendi que ele poderia ser usado como um marco para trabalhar com cada uma dessas pessoas marcos do Programa que, por alguma razão, não foram bem apresentados — ou sequer apresentados — na primeira oportunidade que essas pessoas tiveram comigo.
Então, você podia me ver ali, com cada uma dessas pessoas, em um momento no qual tanto eu quanto o discípulo nos dávamos uma nova oportunidade de fazer melhor desta vez.
Existe um termo pouco conhecido, que é o Fong Faat (方法). Ele diz respeito à metodologia encontrada para o processo de transmissão e aprendizagem, a partir da noção de fan chuen (分傳). E o que é fan chuen (分傳)? Podemos dizer que é a “transmissão individualizada”. Após vivenciar intensamente com o Grão-Mestre Leo Imamura esse processo de personalização na minha própria jornada, passei a admirar ainda mais sua paciência e dedicação (como sempre ressalto aqui). Porque o ajuste para cada praticante — com suas dificuldades, qualidades, potenciais e auto-sabotagens — é algo extremamente delicado.
Sabe, alguns anos atrás, sentado em uma cafeteria, me disseram: “...Acho que você está dando um ‘reset’ no Sistema que não é necessário...” - Apesar da pessoa que estava me dizendo aquilo, eu já não tinha nenhuma dúvida da importância do que estava fazendo: para ser um melhor profissional, para ser um melhor Si Fu, mas também... por mim.
Tenho um irmão Kung Fu que já está parado há muito tempo. Às vezes ele ensaia retomar, e numa dessas conversas eu lhe disse algo como: “Cara, tem esse garoto que você deixou lá atrás, em algum lugar, numa encruzilhada entre duas estradas que parecem não dar em lugar nenhum. Você deve a esse menino voltar lá e buscá-lo.” - Eu dizia isso para ele, mas era como se precisasse ouvir a mim mesmo falando aquilo.
Não tem nada a ver com alguma excentricidade, com querer simplesmente entrar noite adentro. É que, a partir da avaliação e reavaliação constante do trabalho e da pessoa, você sente a necessidade de ir mais 5 minutos, mais 10... ou mais 5 horas. E o mais legal é como o discípulo parece compartilhar de um compromisso silencioso de esgotar tudo o que precisa ser trabalhado naquele dia.
Também não tem a ver com fazer um checklist dos diferentes marcos de um Domínio. É um sentimento de que aquele componente associado, que está sendo trabalhado, ainda pode ficar melhor. Ainda não foi totalmente compreendido. Ou, quem sabe, parece haver algo ali, bem diante de você... você sente isso, mas ainda não consegue ver. E agora você também não quer parar enquanto não conseguir.
Então, você vê pessoas praticando por horas, sem cansar, sem pedir para parar. E aí você entende o poder da coerência. Porque um trabalho coerente... não cansa.
É isso que vivo em São Paulo — e é o que tentava dar a vida ali para que o mesmo fosse possível com meus discípulos.
O Grão-Mestre Leo Imamura comenta que:
“...Pode-se relacionar a noção de bei chuen 秘傳 com a expressão Bat Chuen Ji Bei 不傳之秘. Quando se fala de bei chuen 秘傳, não se trata de algo a ser escondido, mas de algo que é inalcançável por aqueles que ainda não aprenderam a enxergar o oculto...”
Então, como estávamos repisando marcos do Sistema Ving Tsun que já haviam sido apresentados a essas pessoas — independentemente da qualidade com que isso foi feito no passado —, eu estava podendo interagir mais diretamente com esses discípulos e, em outros casos, lembrá-los de sua antiguidade, de seu tempo na Família Kung Fu, de modo que tivessem uma brevidade maior para responder a um estímulo.
Porém, havia um sentimento que todos, nos diferentes dias, compartilharam:
A foto acima é de 2013, na então "Casa dos Discípulos". Nela, podemos ver, em primeiro plano, o Grão-Mestre Leo Imamura; ao seu lado, o Mestre Paul Liu; ao lado dele, a Mestra Cristina Azevedo; e, de pé, praticando o Cham Kiu, o Si Suk Paulo Camiz Sr.
Eu estava com Si Gung durante toda a manhã, e algo curioso aconteceu — algo que já compartilhei aqui antes: quando ele me pediu para participar da prática, eu simplesmente não conseguia sair do lugar. Parecia que eu nunca tinha feito Toei Ma na vida. Mesmo com a paciência e o carinho característicos do Mestre Paul Liu, parecia uma arte marcial diferente da que eu praticava.
No artigo que escrevi na época, minha interpretação sobre o episódio foi:
“...Para mim é sempre muito rico poder acompanhar a maneira como Si Gung deixa a sessão correr. O nível de mobilização que ele propõe também é bem alto, e humildemente é como se eu estivesse aprendendo do zero...”
Naquele artigo de 2013, eu nem sabia do que estava falando.
Acho que o principal sentimento que venho experimentando, muito fortemente, é o de gratidão. Apesar de ser uma palavra usada de forma clichê nos últimos anos pelas pessoas, o sentimento de gratidão sempre esteve presente.
É claro que minha habilidade de transmissão ainda está muito aquém do que é possível alcançar. Mas, para aquelas pessoas, naquelas horas que passamos juntos praticando, no meu coração eu sabia que pouco importava ser eu quem estivesse ali com elas. Porque ao longo do dia, de alguma forma misteriosa, era o Sistema Ving Tsun tentando se manifestar por meio da dedicação mútua — não só das duas pessoas que estavam ali praticando, mas também do trabalho do Grão-Mestre Leo Imamura, apreendido em passeios no shopping, em cafés, restaurantes, ou em conversas durante trajetos de carro por São Paulo — e que, de algum modo, chegava até aquele momento.
Foi então que, pensando sobre isso, me ocorreu um ditado:
“O homem que planta uma árvore sabendo que nunca irá se sentar à sombra dela começou a entender o sentido das coisas.”
Talvez, no final das contas, esse seja o trabalho do Grão-Mestre Leo.
Eu nunca desisti.

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