"...Naquele dia, não ouvi palavras de apoio de Si Fu durante o almoço. Ouvi o que tinha de ser dito. E de tudo que ouvi lembro de um exemplo que ele me deu. Algo como: 'Thiago, é como se você tivesse um pincel, tinta e um papel em mãos. Você sujou o papel, não tem mais como limpar, não tem mais como apagar, não tem mais como fazer de novo...' - Esse é um trecho de um artigo e 2017 chamado 'How did I learn the Luk Dim Bun Gwaan'. [AQUI]
Como meu Si Fu morava na rua ao lado da minha, e mais tarde naquela mesma época, algumas ruas depois. Acabávamos por nos ver bastante, pois eu entendi que a abertura que ele me dava e a pouca distancia entre as nossas moradias, me favorecia procurá-lo sempre que precisasse. Ao longo dos anos, esse acesso irrestrito seguiu de diferentes maneiras. Acontece que como muitas coisas na vida, acreditamos que será para sempre. Porém, não é bem assim.
Durante sua última visita, Si Fu acabou chegando mais cedo. Ele ficou sentado no lugar reservado para ele, vendo toda a agitação da arrumação dos eventos principais desta visita. Disse-me ele, que sentia falta de estar nesse ambiente.
Então em determinado momento ele resolveu sair do recinto e eu o acompanhei até um banco mais afastado. Estávamos num condomínio de prédios na Barra da Tijuca com uma área comum para transitar entre os blocos. O clima estava fresco, ventava um pouco e era fim de tarde. Ficamos sentados num banco mais isolado[foto] e numa curiosa sintonia, ambos lembramos de Hong Kong. Tudo naquele cenário, lembrava os prédios de lá. - “O clima de Hong Kong é assim mesmo!” - Comentou ele.
Antes de nos sentarmos, enquanto caminhávamos, ele me perguntou como estava sendo o evento para mim. Comentei que um ocorrido tinha chegado de maneira ruim para mim, ele sorriu e começou a falar sobre “Tempo”. Ele me chamou a atenção para o fato de que quando morrermos, não teremos a possibilidade de nos despedirmos de algumas das pessoas mais queridas por nós. E para aquelas que não estávamos num bom momento da relação, pode ser que nosso último contato não tenha sido dos melhores, mas será o último mesmo assim. Então ele falou de estar tentando viver a vida mais leve, com seu interior plácido como a água, e que esperava que a Família Kung Fu da qual é Líder pudesse viver dessa forma.
Diferentes de outras oportunidades, quem sugeriu tirar essa foto acima foi o próprio Si Fu. Foi uma ação bem oportuna da parte dele, pois estava tão imerso em nossa conversa, que não pensaria em registrar um momento como esse. Já que devido a tantas demandas e por morar em outro país, momentos de contemplação como esse já não são mais tão comuns. Diferente de quando era mais novo, e o procurava a todo o momento.
Quando conheci Si Fu ele iria fazer 30 anos de idade, atualmente ele fará 53 anos... Aquela conversa inesperada, me fez pensar em muita coisa e na minha falta de ética na maneira de tratar o meu tempo. A questão não é em que posso ou não gastar o meu tempo, mas em que gasto meu tempo de maneira consciente e por escolha. Posso mascarar meu investimento de tempo em algo por conta de uma convenção social, mas em primeiro lugar deve estar a força adquirida advinda dos anos de prática, para ter a coragem suficiente em dedicar meu tempo naquilo que eu escolhi. Então, é como o próprio Si Fu escreveu-me certa vez: "Que a vida siga sempre, para onde o coração apontar”.
-E aquela questão que te incomodou? Ainda incomoda? - Perguntou ele já querendo rir.
-Não, não, Si Fu. Já ficou tranquilo. - Respondi rindo.
"...That day I did not hear Si Fu's words of support during lunch. I heard what had to be said. And from everything I heard I remember an example he gave me. Something like: "Thiago, it's like you had a paintbrush, ink and a paper in your hands. You've messed up the paper, you do not have a way to clean anymore, there's no way to erase, you can not do it again..." -This is an excerpt from a 2017 article called 'How did I learn the Luk Dim Bun Gwaan'. [HERE]
As my Si Fu used to live on the street next to mine, and later that same time, a few streets away. We ended up seeing each other a lot, because I understood that the opening he gave me and the short distance between our houses, favored me to look for him whenever I needed to. Over the years, this unrestricted access has followed in different ways. It turns out that like many things in life, we believe it will be forever. However, it is not quite like that.
During his last visit, Si Fu ended up arriving earlier. He sat in the seat reserved for him, watching all the hustle and bustle of arranging the main events of this visit. He told me that he missed being in that environment.
So at one point he decided to leave the room and I followed him to a bench further away. We were in a condominium of buildings in Barra da Tijuca with a common area to move between the blocks. The weather was cool, it was windy and it was late afternoon. We sat on a more isolated bench [photo] and in a curious harmony, we both remember Hong Kong. Everything in that scenario, I remembered from there. - “Hong Kong weather is just like that!” - He commented to me.
Before we sat down, as we walked, he asked me how the event was going for me. I commented that something had happened in a bad way for me, he smiled and started talking about “Time”. He called my attention to the fact that when we die, we won't be able to say goodbye to some of the people most dear to us. And for those who weren't in a good moment of the relationship, it may be that our last contact wasn't the best, but it will be the last anyway. Then he spoke of trying to live the lighter life, with a placid interior as water, and that he hoped that the Kung Fu Family of which he is the Leader could live that way.
Unlike other opportunities, the one who suggested taking this photo above was Si Fu himself. It was a very timely move on his part, as I was so immersed in our conversation, I wouldn't have thought of photographed a moment like this. Since due to so many demands and for living in another country, moments of contemplation like this are no longer so common. Unlike when I was younger, and I looked for him all the time.
When I met Si Fu for the very first time he would be 30 years old, currently he will be 53 years old... That unexpected conversation made me think about a lot about my lack of ethics in the way I treat my time. The question is not what I can or cannot spend my time on, but what I spend my time on consciously and by choice. I can mask my investment of time in something because of a social convention, but first there must be the strength gained from years of practice, to have the courage to dedicate my time to what I chose. So, it's like Si Fu himself once wrote to me: "May life always follow, wherever the heart points".
-And that question that bothered you? Does it still bother you? - He asked already wanting to laugh.
-No, no, Si Fu. It's calmed down. - I replied laughing.