segunda-feira, 14 de setembro de 2020

An essay on Biu Do [標刀] Vs Biu Gwan[標棍]

[Prática de Biu Gwan 標棍]
[Biu Gwan 標棍 practice]
 

Muita gente pode se perguntar, a razão de se praticar usando armas nos dias de hoje. Bem, a ideia nunca foi usá-las em qualquer outra situação que não durante a prática. Com o tempo, percebi que isso não é de hoje. Mesmo na época do Patriarca Ip Man em Hong Kong, a simples prática de uma arte marcial usando uma arma era proibida. Nem mesmo associações eram permitidas. Daí, veio a proposta de chamar a primeira associação de Ving Tsun naquele local de 'Athletic Association'. Uma maneira inteligente encontrada pelo Patriarca, para fundar a primeira associação de artes marciais do século 20 em Hong Kong. 
Mas, se as armas não são para nos ajudar a nos defendermos, para que servem então? Eu acredito que como qualquer outro elemento presente num Sistema de artes marciais, sirva para nos ajudar a ressignificar nossa jornada nesse mundo como seres humanos que vivem em sociedade, e refinar nossas ações trazendo assim benefícios para nós e aqueles ao nosso redor. 

A lot of people may wonder, the reason to practice using weapons these days. Well, the idea was never to use them in any situation other than during practice. Over time, I realized that this is not just for nowadays. Even in the days of Patriarch Ip Man in Hong Kong, the simple practice of a martial art using a weapon was prohibited. Even associations were not allowed. Hence, the proposal came to call Ving Tsun's first association at that location as 'Athletic Association'. A clever way found by the Patriarch, to found the first martial arts association of the 20th century in Hong Kong.
But if the weapons are not to help us defend ourselves, what are they for? I believe that like any other element present in a Martial Arts System, it serves to help us to reframe our journey in this world as human beings living in society, and to refine our actions thus bringing benefits to us and those around us.
[Em 1991 aos sete anos de idade]
[In 1991 at the age of seven]

Apesar de ter uma irmã mais nova, oito anos de diferença nos separam. Por conta disso, pude viver como um filho único por muitos anos. Talvez você se pergunte: “Ei! E qual o problema disso?“ - Bem, talvez eu tenha recebido tanta atenção, que tenha acreditado de verdade que eu era a peça central dos acontecimentos. Uma espécie de personagem principal de uma série, com todos ao meu redor, sendo figurantes, antagonistas ou elenco de apoio. Não estamos conscientes desse nosso comportamento, percebemos ele com muito custo, quando por exemplo perdemos alguma coisa ou alguém. Não podemos acreditar em algo assim quando acontece. Afinal, sempre que pedíamos desculpas, tudo se resolvia. Talvez fossemos repreendidos, mas no fundo, sabíamos que tudo já estava bem. Mas o mundo não é a nossa casa. 
E então, Biu Gwan[標棍] é um disparo único. Você usa toda a sua precisão, fator tão importante para um artista marcial, para um único movimento. Você percebe que se errar a pontaria, não haverá segunda chance. Voce não dispara na hora que quer, você dispara na hora em que o outro oferece a abertura. E para perceber isso, você precisa estar conectado ao outro e ao mesmo tempo, pronto para o disparo. E nesses singelos segundos que separam a posição de guarda e o disparo. Não existe “Eu“ ou “você“. Existe apenas, o resultado da nossa relação. E essa terceira coisa, a nossa relação, é impessoal. 
Bom, se eu tivesse percebido isso antes, teria sido mais atento e não teria perdido tantas boas oportunidades que a vida me deu, por achar que sempre teria outra chance...

Despite having a younger sister, eight years apart separates us. Because of that, I was able to live as an only child for many years. You may ask yourself, “Hey! And what's the problem with that? ”- Well, maybe I got so much attention that I really believed that I was the centerpiece of events. A kind of main character in a series, with everyone around me, being extras, antagonists or supporting cast. We are not aware of our behavior, we perceive it with great cost, when for example we lose something or someone. We can't believe something like that when it happens. After all, whenever we apologized, everything was resolved. Perhaps we were scolded, but deep down, we knew that everything was already fine. But the world is not our home.
And then, Biu Gwan [標 棍] is a single shot. You use all your precision, a factor so important for a martial artist, for a single movement. You realize that if you miss, there will be no second chance. You don't shoot when you want, you shoot when the other person offers the opening. And to realize this, you need to be connected to the other and at the same time, ready to fire. And in those simple seconds that separate the guard position and the shot. There is no "me" or "you". There is only the result of our relationship. And this third thing, our relationship, is impersonal.
Well, if I had realized this before, I would have been more attentive and would not have missed so many good opportunities that life has given me, because I used to think I would always have another chance ...
[Prática de Biu Do 標刀]
[Biu Do 標 刀 practice]

O Biu Do [標刀]faz uso de uma ferramenta que é como se fosse uma única faca dividida em duas. Portanto, não fazemos movimentos separados. Elas atuam como algo único- “São duas facas que fazem um gesto único“. - Diria meu Si Fu. E como são duas facas, enquanto uma avança a outra retorna. Só que para quem as está segurando, a ideia é que uma avance com potencial de perfurar ou cortar[simbolicamente] e a outra retorne “cheia“[ou “viva“ se preferir]. É como se você estivesse presente no momento, mas ao mesmo tempo, preparando o próximo ciclo num nível de refinamento que parece impossível num relance.
As vezes escuto “Purple Rain“ do Prince, e lembro do que já passou, do que perdi e do que deixei ir... Coisas de outros ciclos da minha vida. Esse é um lado cruel da vida do artista marcial: Nós praticamos incansavelmente viver no momento presente e sempre perceber o próximo ciclo. Por isso, as músicas românticas trazem um afago momentâneo, mas no fundo sabemos que somos responsáveis por nossas escolhas. Afinal, um sinal de maturidade, é se enxergar como responsável pelo que nos acontece. 
Por isso, o Biu Do [標刀], deixa a dura lição através das palavras de meu Si Fu: “Para quem 'vai com tudo', não sobra nada“. 
Bom, parece que o Prince não escreveu nada sobre isso afinal...

Biu Do [標 刀] makes use of a tool that is like a single knife divided into two. Therefore, we do not make separate movements. They act as something unique- "They are two knives that make a unique gesture". - My Si Fu would say. And as they are two knives, while one advances the other returns. But for those who are holding them, the idea is that one advances with the potential to pierce or to cut [symbolically] and the other returns "full" [or "alive" if you prefer]. It is as if you are present at the moment, but at the same time, preparing yourself for the next cycle at a level of refinement that seems impossible at a glance.
Sometimes I hear Prince's “Purple Rain”, and I remember what has passed, what I lost and what I let go ... Things from other cycles of my life. This is a cruel side of the martial artist's life: We tirelessly practice living in the present moment and always perceiving the next cycle. Therefore, romantic songs bring a momentary cuddle, but deep down we know that we are responsible for our choices. After all, a sign of maturity is to see yourself as responsible for what happens to us.
For this reason, Biu Do [標 刀], leaves the hard lesson through the words of my Si Fu: “For those who 'go with everything', there is nothing left”.
Well, it looks like Prince didn't write anything about it after all ...



The disciple of Master Julio Camacho
Thiago Pereira “Moy Fat Lei“
moyfatlei.myvt@gmail.com